A noite já chegara e junto com ela a sede de Christian se intensificava, mas ele não poderia deixar Sophia acordar sem que estivesse presente. Pacientemente esperava desde o desmaio, quando a erguera e recostara nas almofadas da grande cama. Tirou seus sapatos e esfregou seus pulsos, mas ela não reagira. Restou aguardar.
O celular vibrou no bolso interno do blazer. Era Klaus.
- E então, Cris. Como ela reagiu?
- Da pior forma, mas era de se esperar... Agora está desmaiada, mas parece bem. Tenho que ter paciência com ela.
- Precisa de alguma ajuda?
- Não posso sair de perto dela, mas preciso me alimentar. Estou acordado há muito tempo por causa da reunião de hoje e vim direto para casa. Pode fazer alguma coisa?
- Certamente. Dentro de pouco tempo eu chego em sua casa. Até. – Klaus desligou e ajeitou a gravata frente ao espelho de camarim no seu apartamento, na parte nobre do Morumbi. Como de hábito, antes de sair deu uma última olhada para ver se deixara alguma luz acesa. Tudo em ordem, trancou a porta e foi para o elevador, assobiando e girando no indicador a chave de um Porsche, seu veículo de caça predileto. Nessas horas, claro, seu motorista era dispensável.
O bairro do Morumbi na zona sul de São Paulo fica afastado do centro da metrópole cerca de 12 a 15 km. É um desses lugares paradoxais onde as camadas sociais se justapõem. Lado a lado, mansões e altos prédios de luxo emparelham com barracos de tijolos nus ou de pedaços de compensado e chapas arrancadas de outdoors. Pessoas trafegam em carros importados blindados nas mesmas ruas em que menores de origem bem menos abastada se oferecem para lavar seus pára-brisas, fazem malabarismos nos semáforos ou oferecem balas, flores e bugigangas entre os carros. Algumas áreas dessa Babilônia de jardins suspensos em arranha-céus e esgotos a céu aberto são perfeitas para a caça, e raramente um vampiro terá dificuldade em selecionar uma ou duas vítimas adequadas. Klaus conhecia cada centímetro do bairro, desde antes de sua fundação.
Em 1825, havia naquela região uma fazenda pertencente a um inglês chamado John Rudge, que se dedicava ao plantio de chá preto. Para onde Klaus foi ao chegar em São Paulo, vindo do Rio de Janeiro, onde aportara cerca de um ano antes como imigrante alemão. Chegou no navio holandês Argo, junto com Christian.
Os dois se conheceram em 1760, no século XVIII, quando as tropas russas e austríacas invadiram Berlim, na Alemanha. Christian já era um vampiro nessa época, e buscava vítimas nas regiões em guerra, onde muitas pessoas desapareciam sem deixar vestígios. Klaus era apenas um oficial alemão que estava no lugar e hora certos. Bem, certos para quem desejaria se tornar um vampiro, o que não era o caso. O fato é que viu Christian sendo atacado por dois salteadores e achou que ele precisava de ajuda. Avançou contra eles e quebrou o pescoço do primeiro, enquanto Christian, atracado então somente com o outro, mordia-lhe o pescoço. Klaus não percebeu a chegada de um terceiro ladrão, e foi esfaqueado enquanto tentava arrancar o homem de cima daquele jovem de aparência aristocrática, sem saber que ele já estava morto. O atacante fugiu correndo quando viu o rosto de Christian, os olhos inflamados do sangue iníquo que acabara de beber.
- Eu... achei que... podia te salvar... – Klaus perdia sangue aos borbotões, jorrando por entre os dedos que tentavam estancar o fundo ferimento. Quando começou a escorrer sangue pela boca do soldado, Christian decidiu pela atitude mais honrada e viável do momento.
- Agora quem pode te salvar sou eu, soldado. E só há uma maneira. Sua nobre atitude custou-lhe a vida, mas posso dar-te outra, ainda melhor... – Com as próprias unhas Christian abriu um corte no braço e despejou sangue sobre o rosto de Klaus, que arfando nos últimos instantes, sentiu o gosto irresistível em sua boca. Desde então era um fiel amigo, acompanhando Christian para onde fosse por todas as décadas posteriores, partilhando experiências, ideais e vítimas, mesmo quando Christian decidiu conhecer o “Novo Mundo”, no ocidente.
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Cross - A ascensão de Sophia
VampiroCross Associados é uma empresa de investimentos tão misteriosa quanto seus poderosos proprietários, como Christian de Gramont, o vampiro líder da Irmandade no Brasil e principal acionista da Cross, que em suas caçadas solitárias pela noite paulistan...