Capítulo 9

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Alina abriu os olhos mas não tinha certeza de que estava acordada.

Sua cabeça latejava tão forte que ela pensou que iria vomitar. Fechou os olhos de novo. Tentou manter a respiração no ritmo, na esperança de voltar a consciência. Sentia sangue escorrer pela sua testa. E o gosto de ferrugem nos lábios.

Quando abriu os olhos novamente desejou nunca tê-los aberto.

Estava de frente para um homem do triplo do seu tamanho. Ele fedia a sangue, lama e pólvora. Mas o cheiro era a última coisa que a preocupava no momento, já que ele estava com um faca apontada para sua garganta.

O homem não disse uma palavra sequer, apenas a encarou friamente, com a mão imóvel, e a faca os separando. Alina não se móvel, mas sentiu suas mãos amarradas atrás das costas, os pulsos quase dormentes pela pressão das cordas. Seus pés também estavam amarrados. E o balanço da carruagem a fez ter quase certeza de que aquela faca atravessaria sua garganta se passassem por mais um buraco.

"Quem é você ?" ela disse com a voz rouca.

O homem não respondeu, nem mesmo piscou.

"Tem modos mais fáceis de resolver isso. Eu seria muito mais gentil se não fosse sequestrada" ela resmungou quase que para si mesma. Mas então notou que talvez o fjerdano a sua frente poderia nem mesmo falar sua língua.

O homem abaixou a faca e se sentou confortavelmente no banco da carruagem.

"Você não se parece como uma Sankta" ele disse com um forte sotaque drüskelle.

"Você não se parece com um sequestrador" ela respondeu, resolvendo não se intimidar. Ele não parecia tão mais velho que ela.

"Não sou um sequestrador, sou um drüskelle. Você é uma bruxa. É apenas o meu dever"

"O que, exatamente, é o seu dever ?" ela perguntou com medo da resposta. O homem alto e loiro a sua frente não parecia acreditar nas próprias palavras, mas a faca em sua mão dizia o contrário.

"Você será levada a Corte de gelo. Os Fjerdanos ficaram decepcionados com seu desempenho ao tentar acabar com a dobra. Deu falsas esperanças ao seu povo e se juntou ao demônio das sombras. Você não é uma Sankta, não é nem mesmo uma bruxa forte o bastante"

"Solte minhas mãos e podemos descobrir na prática o que acha ?"

"Nós já vimos seu showzinho de luzes e não é nada impressionante, Starkov"

"Fjerda e Ravka tem a mesma vontade. Acabar com a dobra. Vocês acreditando ou não eu sou a única capaz de fazer isso. Tínhamos um acordo a propor para vocês, mas agora não tenho certeza se merecem tal piedade"

O homem sorriu debochado.

"Quantas criaturas vai precisar matar para isso ? Mais umas quatro criaturas mágicas ? Seu corpo não terá espaço para tantos ossos"

"Como farei isso não é da conta de vocês. Querem acabar com a dobra, ela não foi criada sem sacrifícios, não será destruída sem eles. Queria que fosse diferente mas eu não faço as regras"

"Bom nos fazemos as regras, e nelas você será julgada"

Alina suspirou. Seu pulmão parecia se esforçar mais do que o costume. Ela imaginou se os tiros que levou haviam feito algum estrago maior. E então se lembrou de tudo. Se lembrou de correr até o sino. Lembrou que deveria voltar e salvar os outros, que deveria ajudar Aleksander. Um nó se formou em sua garganta. Quantas pessoas podem ter morrido porquê ela não estava lá. Quantas ficaram esperando ela voltar.

De alguma maneira ela sabia que Aleksander estava vivo. Era como se pudesse senti-lo. E então ela imaginou, imaginou estar de frente para ele, pensou em seu rosto e seu cheiro. E de repente ele estava. Mas não só ele.

"Alina ?" ele perguntou apavorado, o som saindo abafado como um sonho. Ela via vultos atrás dele, se pareciam com Maly e Fedyor. Estavam em uma floresta, estavam indo atrás dela. Aleksander tentou toca-la.

"Drüskelle" foi a única coisa que ela conseguiu falar antes da conexão sumir completamente. Ela negou com a cabeça, frustrada e confusa.

"O que estava fazendo bruxa ?" gritou o homem erguendo a faca de novo.

"O que você viu ?" ela perguntou com os olhos marejados. Ela não tinha certeza se estava alucinado ou se realmente havia conseguido a conexão.

"Não sei o que vi" ele disse com um olhar confuso, "não vou cair em suas bruxarias, fique quieta ou usarei essa faca em você"

"Diga seu nome pelo menos" disse Alina com lágrimas escorrendo de seus olhos, "quero saber o nome do homem que está me ameaçando"

Depois de um profundo olhar de desconfiança, ele
suspirou e disse:

"Matthias. Agora calada"

Alina assentiu. Sua cabeça ainda doía, mas seus pensamentos não paravam nem por um segundo. Se estão vindo atrás de mim é porque conseguiram vencer certo ? Estão mesmo vindo ou isso foi apenas uma alucinação. Quantos ravkanos perdemos ? Será que todos estão bem? Onde fica a Corte de Gelo ? E o mais importante, como me soltar dessas amarras ?

"Tenho mais uma pergunta" ela disse fungando, tentando se recuperar das lágrimas.

O homem revirou os olhos e a encarou, aguardando.

"Quantos de nós já levou até a Corte de gelo ?"

"Não fico contando"

"Bom talvez a próxima seja mais fácil. Quantos você já viu saírem de lá ?"

Ele suspirou irritado. Apoiou os cotovelos nos joelhos, aproximando-se dela.

"Se não voltaram, é porque pegamos as pessoas certas"

Alina se encostou completamente torta no banco. Começou a imaginar quantos Grishas foram levados para aquele lugar. Imaginou se algum deles teria esperança de sair de lá. Se perguntou se alguma vez alguém foi atrás dessas pessoas.

"Sabe que estão basicamente declarando uma rebelião, não sabe ? Você pode achar que eu não sou um Sankta, mas as pessoas que estão rezando no meu altar vão querer justiça"

Matthias riu alto mais uma vez.

"Nenhum sankto teve um final justo. O máximo que vão querer é um pedaço dos seus ossos como amuleto da Sankta salvadora que não pode salvar nem a si mesma"

Alina pensou em rebater, mas sinceramente não tinha certeza se ele estava errado. Se fosse julgada não teria tantos argumentos para se defender. Qual desculpa posso usar ? "Meritíssimo eu sou Grisha a pouco tempo, me dê mais treinamento e alguns amplificadores que eu destruirei a dobra". Patético, ela pensou.

Duvidar se si mesma sempre fez parte de sua personalidade. Mas não poderia mais fazer isso se quisesse realmente lutar.

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