17/09/2016
Se estivesse aqui, minha mãe teria odiado a chuva.
Era fria e pesada, caía como milhares de alfinetes e machucava a pele mesmo sobre o casaco, era estranho, da última vez o dia estava tão ruim quanto hoje e mesmo sendo esse o segundo aniversário, não parecia que tinha se passado nenhum dia desde que ela se fora...
Meus sapatos escorregaram na lama enquanto eu caminhava por entre as lápides, ela ficava lá no fundo, escondida, como se fosse uma aluna nova numa classe muito cheia. Eu já sabia o caminho de cor agora. Parei na frente da pedra cinza, as flores que eu tinha deixado ali semana passada continuavam no mesmo lugar, murchas, frias e sem vida, me agachei em frente à lápide, retirando com cuidado as flores mortas, colocando o buquê novo no lugar.
A chuva estava rareando.
Um ponto vermelho apareceu no meio da chuva, longe, ainda nos portões do cemitério, franzi o cenho para o garoto que corria a toda por entre as lápides. Quem mais estaria ali num sábado como aquele? Tentei ignorar sua presença e me voltei para a lápide de minha mãe.
— Oi... mãe — Comecei, sem jeito — Quanto tempo, não é?
Não era como se ela realmente estivesse me ouvindo, eu sabia que não, mesmo depois de dois anos eu não sabia bem o que fazer ou como deveria me sentir. Existe um jeito certo de fazer isso? Se existia, eu ainda não tinha descoberto e achava que não estava perto de descobrir.
— Mochi! — Uma voz sibilou em algum lugar.
Me virei e vi o mesmo garoto, um pouco mais perto, se inclinava na chuva, o capuz do casaco bem baixo sobre o rosto, as mãos em cone nos lábios, sussurrando para o nada.
— Mochi — Ele disse mais uma vez, uma nota miúda de pânico na voz — Caramba, cachorro, onde você se meteu?! Mochi!
Olhei ao redor, procurando algum sinal do cachorro que ele estava procurando, a chuva tinha diminuído bastante, estava quase parando agora, mas eu não vi sinal algum do cachorro. Tentei ignorar o garoto mais uma vez e estava dando tudo muito certo, ele lá e eu aqui, até que ele encostou em mim.
Tinha começado a andar de costas, ainda sussurrando com cuidado o nome do cachorro, escorregou duas vezes no chão cheio de lama, quase caindo, se segurando por muito pouco, e foi na terceira vez que seus pés derraparam na lama que ele esbarrou em mim e, ao invés de se afastar, permaneceu parado no mesmo lugar.
— Ah... pode sair, por favor? — Perguntei enquanto ele continuava parado, devo ter feito algo errado porque ele começou a tremer.
— Meudeus.meudeus.meudeus.santamaria.buda.jesuscristo.thorodinloki.socorro. Tudo que é santo nesse mundo e no próximo, me ajudem! — Ele sussurrou nervosamente consigo mesmo, então se virou — AI MEU DEUS!
Não tive nem um segundo para perguntar o que diabos estava acontecendo quando o cachorro finalmente apareceu... Pulando e mim e me jogando na lama.
— MOCHI! — O garoto gritou com a voz esganiçada.
O cachorro, Mochi, era um golden grande, peludo, fedido e molhado, que pulou em cima de mim, fazendo com que eu caísse de costas na lama.
— É sólido — O garoto suspirou aliviado — É sólido, não é espírito. Mochi, sai de cima dele!
O cachorro latiu, parecia desapontado, mas me deu uma lambida quente no rosto e se afastou, indo se postar ao lado do dono de casaco vermelho, que deu um sorriso nenhum pouco constrangido ou culpado, parecia radiante, e me estendeu a mão.
— Eu sou Jimin — Ele disse com um sorriso largo, os olhos não passavam de duas fendas no rosto — Esse aqui é o Mochi. Desculpe, achei... hum... achei que você fosse... sabe? Um fantasma.
— O que disse? — Perguntei, irritado, me levantando sem aceitar a mão que ele me estendia. Jimin recolheu a mão e a escondeu nas costas, mas continuava sorrindo.
— Um fantasma! Sabe? Espírito do mal, vingativo... — Ele me cutucou com o dedo indicador — Não sólido.
O cachorro latiu, como se estivesse concordando, Jimin olhou para ele e depois para mim, sorrindo.
— Certo — Resmunguei — Não tem problema. Eu já vou indo.
Me virei para ir embora, a chuva tinha parado completamente agora, o sol saía por detrás das nuvens, deixando o ar úmido e quente, com cheiro de terra e grama molhada. Ouvi passarinhos cantando em algum lugar e o cachorro latiu mais uma vez.
— Ei, espera! — Jimin gritou, tentando me alcançar e parando na minha frente. — A gente se conhece?
— Duvido — Respondi rispidamente, tentando me desviar dele, mas Jimin me parou mais uma vez.
— Tem certeza? Não nos vimos antes?
— Já disse que não. Agora para de me encher.
— Você estuda no Departamento de Artes? Da univer...
— Eu faço economia.
Tentei ir mais uma vez, mas percebi uma coisa e me voltei para ele de novo.
— Você está na faculdade? — Perguntei, incrédulo. Jimin piscou, surpreso, então pareceu se irritar pela primeira vez.
— Eu tenho 22 anos... Claro que estou na faculdade!
— Mas você parece tão...
— Antes de continuar, se lembre de que eu tenho um cachorro bem grande.
Olhei para Mochi, sinceramente, parecia tão inofensivo quanto o seu dono, Jimin também parecia ter notado isso, porque olhou feio para o cachorro que brincava com a grama.
— Então... — Ele continuou, querendo mudar de assunto — Não nos conhecemos mesmo?
Jimin baixou o capuz, querendo que eu desse uma boa olhada em seu rosto, o cabelo castanho muito claro, olhos apertados no rosto e sorriso brilhante. Talvez... Acho que sim, eu o conhecia de algum lugar.
— Não — Respondi — Não nos conhecemos. Agora já vou indo.
Deixei Jimin e Mochi para trás e andei o mais rápido que pude antes que ele resolvesse me chamar de volta novamente, estava tão apressado para sair dali que quase esbarrei com uma pessoa na calçada. Realmente odeio o dia 17 de setembro.
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Nas Batidas do Seu Coração
Fiksi Penggemar"Minha vida foi controlada pelos ritmos das músicas, suas melodias encantadoras e simplesmente maravilhosas. Mas então tudo se foi e quando eu tentei ser algo que não era, apenas escutei ruídos que não faziam o mínimo sentido, por isso... As batidas...