Excalibur

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Depois de um tempo

E nem tudo era lindo em Harmonia, as coisas eram difíceis nos subúrbios, éramos carentes e Lucius tinha muitas coisas com o que se preocupar. Após alguns sinais, estávamos todos no chão, sem comida, água e nada que pudesse preencher nossas necessidades. Estávamos envoltos de toda a crise existencial que um ser humano pode estar quando se perde a esperança; éramos 100, agora estávamos em pouco mais de 10, estávamos cansados e com o peso de carregar um fardo doloso demais. O medo e a culpa de deixarmos todos os nossos parentes e amigos. Mas tudo bem, a semente era importante para nós naquele tempo, hoje não mais. Apenas um baú invisível no fim do arco íris, ou no começo. Nem lembro mais.

Tudo estava seco, o clima parecia nos queimar por dentro, a respiração ofegante e o odor não eram dos melhores. O Sol castigava do começo dos dias até o tardar deles. E nada de encontramos a semente milagrosa.
Ah é; nem te disse, naquele tempo eu tinha 14 anos, começamos essa jornada quando eu tinha 8, não era o mais velho e nem o mais novo, mas era sem sombra de dúvida o mais fiel a todas as histórias que o velho Buk nos contava, a pobreza faz questão de nos deixar inerte a toda conspiração e crença de poções milagrosas e palavras mágicas. E acreditei no conto de um velho beberrão, o conto que dizia mudar a nossa vida. De um lugar que poderíamos encontrar a cura da doença que assolava a nossa vila e que mais, que poderia nos dar riquezas.  Tudo através de uma semente que caiu do trono de Deus, e que se algum mortal a tiver e cultivá-la, poderá ter todos os seus desejos realizados. Era o sonho de todo o garoto da Vila, o sonho de poder se livrar das mazelas do dia. E conquistar o mundo.

Então decidimos todos juntos que poderíamos trilhar um caminho até onde essa semente caiu do trono de Deus, no começo ficamos sem expressar muito do que realmente pensávamos sobre o velho Buk. Mas ele nos mostrou um sinal, várias cicatrizes que cobriam o seu corpo. Marcas de raios que recebera por usurpar da semente milagrosa. Afinal; uma das regras para conquistar esse poder, era ter o pensamento de uma criança. Ser puro e sem conhecimento do mal. Eu realmente não sei o que significa conhecimento do mal, se é que ele já não foi conhecido por nós nessa caminhada tão longa. Agora olhando para trás percebo que os motivos eram verdadeiros.
Nossos pais estavam morrendo e nossos irmãos menores estavam com fome. A vila fedia a ferro e junco, não queríamos isso para sempre. O valor que dávamos a tudo era claro. Mas queríamos mais. A vila merecia.
"Se Você for um bom garoto, a semente brilhará na sua jornada e curará suas feridas, matará a sua forme e limpará dos seus olhos toda a lágrima" e de fato. Era nosso sonho.
Lembro do dia que tive a conversa com Janet, ela tinha uns 10 anos, cheia de sardas, cabelos longos e escuros.  Gostava dela. Acredito que tenha sido meu primeiro amor. Isso parece engraçado, eu sempre estava vermelho perto dela. Mas naquele dia eu estava mais à vontade.

- Precisamos investigar essa semente, Janet! Parece ser real, as marcas do velho Buk são, para mim, um claro sinal de que podemos conquistar. Eu falava todo apressado, animado demais, mas não consegui impedir as palavras fortes de Janet;
- Ele está velho, vive bêbado e traumatizado, as marcas podem ter surgido de uma queda ou uma briga no bar. Ele não toma um banho há anos, difícil acreditar em alguma coisa que ele diga.
Ela disse isso de maneira afrontosa, como se o seu maior feito daquele dia tivesse sido discordar de mim. Eu sabia no fundo, que sim, ela poderia ter toda a razão. Mas o que nos restava. Nossos pais estavam morrendo. Não consigo nem explicar o sentimento, mas eu queria acreditar que as palavras do velho bêbado, era a mais pura verdade.

- Mas pense, o que temos a perder? Se for mentira, bom. Podemos voltar para casa como se nada tivesse acontecido, agora e se for verdade? Podemos ter a semente de Deus em nossa terra. Ajudar nossa família. Você pode curar sua mãe. Você não precisar perdê-la também!
Foi aí que eu ouvi um forte barulho estalando, e foi nesse mesmo momento que senti uma massa quente na minha bochecha. E um gosto de ferro na minha boca. Eu acabava de receber um senhor tapa de Janet, e quando pensei em dizer algo. Eu percebia que ela estava correndo para outra direção. Chorando.

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