eu quero ser segurada, frágil como vidro
porque eu nunca senti algo como isso
diga que não pode andar, não pode falar, continuar sem mim☬
Eu podia sentir meu corpo. Eu ouvia o que ela ouvia, sentia o gosto amargo do bile na garganta, da leve dor nos ombros e na base das costas, sentia o suor frio escorrer pela pele. Eu sentia o que She-ra fazia, mas pela segunda vez eu não estava comandando. Quando percebi o vírus tomando conta foi como se minha mente se recolhesse, como seu eu fosse puxada para dentro de mim como um buraco negro sugando-me em grande velocidade e ao abrir os olhos apenas via-me como ela, correndo atrás de Felina, atacando-a com palavras e tentando golpeá-la com a espada. Tentei voltar, procurar uma saída, uma porta, qualquer coisa que pudesse indicar que por ali eu voltaria a realidade, a minha realidade! Mas tudo era branco ao meu redor, uma enorme e infinita sala branca com um único telão passando o que acontecia em tempo real.
O tempo parecia não passar e tudo acontecia quase em câmera lenta. Felina parecia perturbada, tensa e apavorada, mas não excitava em provocar-me, esquivar e fugir. O que é ótimo, porque ela não parece de brincadeira! Comecei a sentir a tensão de não voltar e isso virar um looping sem fim! Da última vez Entrapta estava lá para ajudar, assim como meus amigos, mas agora... Só havia eu e a gata e digamos que a preocupação dela agora era continuar viva e não fazer eu retornar! Cerrei os punhos e praguejei, mas um coçar de garganta chamou minha atenção. Virei rapidamente e não pude conter a resposta.
-Mara?! – Exclamei vendo-a sorrir para mim. Avancei e não contive-me em abraça-la.
-Oi. – Saldou soltando seu risinho e quando nos afastou sorriu mais para mim. – Que bom te ver, Adora. Como você está?
-Bom, não muito bem agora. – Ri sem graça coçando a nuca e juntas, como em conexão, olhamos para o telão da realidade. O silêncio ficou por um tempo enquanto víamos minha versão de She-ra correndo atrás de Felina pelo corredor. – Eu não acho isso bom. – Novamente ela riu e senti sua mão em meu ombro, fazendo-me olhá-la.
-Quando aconteceu comigo, senti isso também. – Falou afastando a mão. – Mas não se preocupe, ela é assim mesmo. Bem rancorosa.
-Como assim? – Perguntei e ela indicou uma direção com a cabeça, começando a andar. – Do que e de quem está falando?
-Venha. – Falou enquanto caminhávamos em direção ao branco do lado esquerdo. Ou será do direito? – Eu quero te mostrar uma coisa. – E dito isso o local se transformou em um local conhecido, mas nunca explorado: – há tantas coisas que você não sabe sobre nossos ancestrais. – Terminado a frase, quase que instantaneamente o Castelo abriu-se e entramos caminhando até a sala principal de Esperança da Luz e daí veio à parte estranha: como se passássemos em uma velocidade inimaginável, mulheres iam e vinham diante de Esperança da Luz. Intocada, ela conversava meia dúzia de palavras e apresentava o que também me foi passado quando encontrei-a: a história de She-ra e seu destino. – Existiram muitas antes de nós, todas com a mesma missão: proteger nosso mundo, mas na realidade ser uma opção de arma secreta. Mas ainda sim, focada em proteção e cada qual com seu grande inimigo mordaz, cada qual descobrindo mais e mais informações escondidas de nós. – Sua voz começou suave, mas tornou-se profunda conforme avançávamos. O cenário mudou e agora estávamos diante de uma parede, tão cumprida que tornava-se quase inviável olhar para o lado tentando enxergar seu fim. – Muitas de nós escreveram sob o que descobríamos, em grande parte em nossa língua, já que somos as únicas a conseguir ler completamente o alfabeto. – Sua mão tocava os dizeres encrustados na pedra, o olhar vago observando os traços o máximo possível e a expressão dolorida. Li poucas palavras, não me atentando muito, mas em geral haviam coisas como: maldição, honra, proteção, amor, medo, raiva, grande poder, descontrole, solidão... – Como bem sabe, eu sou sua antecessora. Quando encontrei este lugar, sem Esperança saber, fiquei totalmente devastada. Como podemos ser tão desejadas, sendo que nosso povo criou tudo para a destruição e colonização? Eu não consegui viver sabendo disso tudo. – Fez um arco pequeno com a mão, indicando que falava da parede com os dizeres.
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Devaneio Temporal (She-ra) | Catradora
FantasyA identidade é algo que se constrói? Ou simplesmente nascemos com ela? E o destino? Nós realmente podemos interferir em algo ou tudo é tão premeditado que não resta nada além de observar? Eu sei She-ra tem deveres com o mundo e com as pessoas... Mas...