Primeiro.

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Bryan eventualmente acabou por chegar e eu levantei me da mesa com todo o cuidado, para não ser vista quando eu realmente não era vista e pegar num casaco para sair. Não que estivesse um clima totalmente gelado, essa não seria a definição mais apropriada mas estava vento e o mesmo entranhava-se por dentro das roupas finas que pretendíamos levar para nos subir pela espinha acima em três tempos.

Fechei a porta de casa, ouvindo o barulho do ranger que ecoou pela mesma e Bryan fez uma careta quando este foi perceptível aos seus ouvidos.

- O chão ou a porta? - perguntou, retirando um cigarro do seu maço desgastado e sujo.

- O mesmo de sempre. - respondi, com um encolher de ombros e um ar aparentemente desinteressado. Sempre fora assim, sempre seria assim e não havia nada a fazer.

- Ouviste as noticias? - dei-lhe o braço enquanto caminhava-mos pelo passeio em direcção a praça. Praça... Engraçado dar um nome tão alegre a um lugar tão sombrio. - Vagamente.- respondi.

- Eles atacaram mais de duas cidades nos últimos três dias. A próxima poderemos ser nós. - o cigarro foi me concebido e mandei um bafo, saboreando a sensação de prazer e conforto que aquele pau de nicotina me trazia.

- Lá terá de ser. - fumo. - Mais cedo ou mais tarde ia acontecer. As plantações?

- Estão péssimas. - o meu melhor amigo retirou me o cigarro da boca e libertou algumas das cinzas que se prendiam na sua ponta, dando-me mais um bafo antes de o prender nos seus lábios. - Por este andar vamos passar fome. Mas estou-me a cagar se queres saber. As provas estão a chegar e quem sabe se não nos transferem para outra cidade.

Porra para as provas! O que é que interessa as provas? 1% de nós sairá mutante e morrerá. E depois? 99% morreram a fome, aqui ou noutra cidade . Bravo para o Governo. Gastar dinheiro a matar bichos e deixar as populações morrerem aos poucos. É sem dúvida inteligente.

- Achas que, sei lá, vamos mudar de cidade? - chutei uma pedra e caguei para o assunto. Aparentemente. Separar me de Bryan iria ser como perder uma parte de mim. Mas não poderia fazer nada em relação a isso. A vida é assim. Cruel e que se lixe, seremos cruel para ela também.

- Oh miúda, nunca me irei separar de ti- o seu braço pousou no meu ombro enquanto eu visualizava o pequeno café a frente. O café onde Bryan costumava comprar cigarros, e conviver com os pacóvios dos amigos. Ele poderia plantar claro, mas isso daria muito trabalho e eu não poderia plantar pela inocência imposta pelos meus pais na minha pessoa. Inocência essa falsa. - Mas deu-te para tristezas agora? Então e...

- E nada. Esquece, não é importante.

Entramos no café e o cheiro a tabaco invadiu o ar assim como a quantidade de bêbados que ocupavam o local. As pessoas bebem para esquecer, a merda de vida que têm e que não falta muito para acabar.

O braço do rapaz a meu lado apertou fortemente o meu ombro, enquanto passávamos para o balcão e nos sentavamos no mesmo. Alguns rapazes jogavam aos dardos com pregos e um pano , e uma mesa de beer pong velha e ferrugenta ocupava o canto mais distante. Tempos complicados, hábitos recentes.

- O que vai ser? - a mulher quase nua perguntou e o meu melhor amigo fez olhar visual com ela antes de pedir duas bebidas fortes. Esta já está no papo, elas caem lhe todas aos pés e ele nem tem ao menos de se esforçar por isso. Ainda me lembro da primeira vez que fumei com ele e bebi a minha primeira bebida alcoólica. Tinha eu 14 anos.

- Bry o que estamos aqui a fazer? - perguntei com toda a inocência enquanto entravamos num campo deserto e surpreendentemente comprido. O rapaz loiro trazia uma mochila as costas e a sua mão, desgastada do trabalho no campo estava presa a minha, puxando-me o mais depressa que as suas pernas de 16 anos premitiam.
Acabou eventualmente por se sentar e eu sentei me a seu lado, ofegante pelo caminho e curiosa pelo que ele me iria mostrar.
- Olha o que tenho aqui. - disse, com um brilho quase reluzente no olhar, e um sorriso maroto nos lábios. Bryan era incrivelmente belo e o seu sorriso era o mais bonito que alguma vez vira na minha vida. Da mochila, retirou uma garrafa e um maço de cigarros, ambos sujos e a minha mente correu com a possibilidade de ter de experimentar aquilo.
- Que foi? Não queres? - ele perguntou preocupado, e eu sentia me demasiado ligada a ele para dizer que não. Seria como um murro no estômago.
- Passa para cá. - disse, um sorriso nervoso a cair dos lábios.
Ansiedade e nervosismo a parte, ouvi atentamente todas as instruções. Chupei o cigarro e aguentei o fumo nos pulmões, como se de puro oxigénio se tratasse... É claro que não demorei muito tempo a explodir em tosse com a sensação desagradável de velho e sujo na minha boca mas uma incrível calma em todo o meu ser.
- Muito bem miúda - Bryan riu-se dando me palmadas nas costas enquanto eu aos poucos, tentava substituir a tosse por riso.

Lembro-me bem que a bebida foi 10 vezes pior. Apaguei completamente passado alguns golos e acordei em casa do rapaz, com uma manta a tapar o meu frágil corpo. Era mesmo fraquinha.

- Aqui têm. - a mulher disse e escreveu o número num papel passando pelo outro lado do balcão. E sem pensar duas vezes, bebi o líquido vermelho e aguentei o ardor detestável que sentia e que tinha sentido sempre que bebia álcool, nos últimos dois anos.

Bring me to life- Slow UpdatesOnde histórias criam vida. Descubra agora