Quinto.

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-Tu importaste de me largar?- bufei enquanto ele me arrastava de uma maneira nada simpática a a parte de trás daquela fábrica.


Eu queria ir lá para dentro e descobrir o que me esperava mas o cabeça oca do meu acompanhante tinha outros planos. Brilhante.


Mas, ao contrário da expressão de desagrado habitual na sua face, tudo o que eu via era preocupação e anseio, e esses sentimentos nunca advinham de algo positivo.


- Eles estão aqui...- disse, captando a minha atenção e fazendo a mesma desviar-se para a parte parcial do edifício que era possível ver,  onde 3 homens fardados se encontravam a conversar com os seguranças. 


- Sim e... Não era suposto? 


Para um rapaz tão certinho, e com um nível intelectual aparentemente tão elevado, a atitude dele era deveras estranha, e confusa. Qual é o grande problema afinal? 


- Temos de te tirar daqui. - E sem mais demoras, o meu corpo foi violentamente empurrado contra a parede de uma forma tão animalesca quanto possível.- Não podemos deixar que eles te testem...


- Mas testar o que?- procurei os seus olhos que se encontravam irrequietos num movimento constante de pânico e descoberta.- Quem és tu?- a maneira como os seus dedos empurravam os meus ombros violentamente e como relaxaram de um momento para o outro, fazendo-me sentir a falta do seu toque apertado, fez-me temer pela dimensão de perigo em que nos encontrávamos. Conseguia sentir pequenos insectos a rastejarem a meu lado, assim como a sujidade daquele edifício toda entranhada nas minhas costas.


- Isso não interessa... Nunca interessa não é verdade?- abanei robóticamente a cabeça. A mim interessa. - O que importa é por-te dentro das instalações e depois cortar contacto contigo, como tem de ser feito.


E naquele momento ele deixou-me, empurrando uma porta improvisada que se assemelhava a parede e que eu não fazia ideia de que ali se encontrava. Estava sozinha. E pela primeira vez, isso não era algo de agradável. Muito pelo contrário.


Independência e solidão são dois aspectos muito diferentes. Podemos ter uma certa independência ser sermos solitários, e podemos ser solitários tendo a nossa própria independência. E naquele momento eu sentia-me mais só do que independente.


E se ele me deixasse, faria isso realmente diferença? Não era como se eu estivesse emocionalmente agarrada ou dependente... Ainda não chegamos a esse nível...


Eu perguntava-me o que o meu pai diria se me visse neste momento. 


Ele sempre me disse que eu era demasiado sentimental para um mundo assim. Que o problema da humanidade era exactamente as pessoas. Claro que o dizia antes dos mutantes aparecerem mas ainda assim... 

Ele queixava-se que metade do mal que existia se devia a maldade e egoísmo das pessoas, que as desgraças eram provocadas por nós e não pelo mundo em si. O problema é que esses pensamentos eram ensinados antes da grande guerra. Antes da mesma, nós reservávamos um espaço de tempo para eu conhecer o mundo. As estrelas, as passagens, os fenómenos e tudo o que era de algum modo positivo. Ele chamava-me "a sua menina" e prometia-me tudo o que estivesse a seu alcance. 

Mas depois tudo mudou. A suposta maldade cegou-o pela justiça que era correta aos seus olhos e eu fui esquecida. Acabaram os beijos de boa noite, as lições de vida e os carinhos paternais. E isso apenas serviu para me aproximar de Bryan. A minha vertente afeiçosa despertou por atenção e, sentindo que dava mais do que recebia, Bryan era a pessoa mais próxima de um irmão mais velho. Foi surpreendente saber que troquei os beijos de boa noite por passas na varanda,e as lições sobre as estrelas por cervejas roubadas.


Suspirei fundo, encostando o braço na parede e deixando a cabeça cair no mesmo, como se a mesma pesa-se uma tornelada. E realmente senti a sua presença atrás de mim. Sabia que ele estava ali e que daqui a poucos momentos deixaria de estar. "Como tinha de ser". Por isso, virei-me e contornei o seu corpo, entrando sem direcção aparente e deixando-o para trás.
- Em frente.


Caminhamos, o seu corpo sempre atrás do meu como uma sombra e a fraca luz dos candeeiros de cima como iluminação.


Após uns metros, e um caminho dividido em dois a nossa frente, parei e questionei-me o caminho a seguir.


Ele contornou o meu corpo e passou pela direita sem uma única palavra dirigida.
A sério?


- Então vai ser assim?- disse, engolindo em seco juntamente com o meu orgulho. Ele fez um som para me manter em silêncio e eu quis mesmo dar-lhe um estalo. Este gajo já me estava a irritar.- Não vais falar comigo e pretendes tirar-me daqui? Não achas que isso é um pouco impossível, afinal de contas-


- Mas tu tens sempre assim tanta energia?- o seu tom não era de gozo e mais de brincadeira, pelo que me permiti acalmar por momentos.


- Quase sempre. Mas diz-me lá, porque nome terei o prazer de o chamar se me for concebido o mesmo?


- Tu não acabaste de me perguntar isso...


- O que é que tem?- perguntei em desdem. Mas pelo menos consegui retirar-lhe um sorriso, um daqueles verdadeiros e não das fotografias de identidade.


- Foi a pior apresentação que já ouvi na minha vida...- o único reflexo possível foi um aperto no coração. Estaria eu a fazer figura de idiota a sua frente? E porque é que isso me interessava, mesmo? Não é como se eu me importasse com o que ele pensa de mim... Fogo,não mesmo.
Mas depois uma risada silenciosa foi escutada e eu pude ver os seus olhos a fecharem se ligeiramente com o impulso do riso. 


Porque é que eu estou toda sentimental e o caraças? 


- Okay...- ele aclarou a garganta antes de continuar, e olhou para os dois lados. - Vai para o dormitório, provavelmente um guarda vai-te incomodar. Tu não respondes. Diz que já foste inspeccionada, e se quiser a confirmação, venha falar comigo. Deve ficar tudo bem, pelo menos por enquanto. 


- Certo. - Eu queria dizer-lhe que não queria que ficasse tudo bem, que preferia mais uns instantes de perigo a seu lado do que uns momentos de solidão em segurança. Mas mantive-me calada. E sem mais uma palavra, dirigi-me pelo corredor até ao chamado dormitório.

Bring me to life- Slow UpdatesOnde histórias criam vida. Descubra agora