𝒫𝑒𝓃𝓊𝓁𝓉𝒾𝓂𝑜 𝒞𝒶𝓅𝒾𝓉𝓊𝓁𝑜

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Domingo, 13 de junho de 2004

Não dormi muito, sentia tanto frio... Não achava posição confortável; meu corpo todo doía. Quando vi as luzes por trás das cortinas, me dei conta de que devia ter dormido um pouco, mas não me lembrava.

Chorei baixinho pela pessoa que eu me tornara. Tinha perdido a vontade de lutar. Queria desistir agora, queria que tudo aquilo acabasse. Sentia-me imersa em vergonha.

E agora, como se tudo já não estivesse horrível, eu não conseguia tirar Naomi da cabeça.

- Naomi? - eu dissera.

- Ela era parte de trabalho que estávamos fazendo. Uma informante. Era casada com o cara que queríamos pegar. Eu a recrutei: ela caiu na minha lábia e consegui convencê-la a trabalhar com a gente. Ela nos forneceria informações para podermos pegar o cara. - Ele olhou para as feridas nas articulações dos próprios dedos, flexionou-os e sorriu. - Era a mulher mais bonita que eu já tinha visto. Eu deveria estar só utilizando seus serviços, mas em vez disso a levei para a cama e me apaixonei. Ninguém sabia. Pensavam que eu estava apenas fazendo o que era pago para fazer, mas depois a primeira vez, não consegui mais me controlar. Estava pensando em largar o emprego, comprar uma casa para ela, a quilômetros de distância, algum lugar onde ela pudesse ficar longe daquele marido de merda.

- O que aconteceu? - falei em um sussurro.

Ele olhou para mim como se tivesse esquecido que eu estava ali. Flexionando os dedos até fechar a mão completamente, observou as feridas nas articulações descorarem.

- Ela estava me fodendo de duas formas Todas as informações que me passava sobre o marido eram ditadas por ele. - Ele voltou a se recostar, com um suspiro pesado, depois bateu o corpo novamente, de propósito, na parede. E outra vez mais. - Não acredito que fui tão idiota, porra. Eu acreditei em tudo.

- Talvez ela estivesse com muito medo do marido - falei.

- Bom então esse foi o erro dela, não é mesmo?

Ponderei um instante sobre aquilo.

- O que aconteceu com ela?

- Houve um assalto à mão armada, exatamente com estávamos esperando, só que ficamos de tocaia do outro lado da cidade. Estávamos todos ali, posicionados como idiotas, enquanto outra joalheria perdia duzentas e cinquenta mil libras em mercadorias e um vendedor tinha o  crânio aberto com um bastão de beisebol. No exato instante em que eu estava me perguntando o que eu tinha feito de errado, recebi uma mensagem de texto de Naomi pedindo para que eu fosse encontrá-la. Fui até o local de costume e, quando abri a porta do carro dela, lá estava a porra do marido. Ele estava se divertindo com tudo aquilo. Eu havia lhe prestado um serviço, disse ele. Os dois tinham me enganado completamente.

Ele dobrou as pernas e apoiou as mãos machucadas nos joelhos, relaxado; toda a sua tensão se fora.

- Uma semana depois - continuou ele - ela me telefonou aos prantos, me contando que ele a tinha pressionado e que ela tinha ficado assustada, e me perguntou se eu estava falando sério quando dissera que a livraria dele. Então falei para ela fazer as malas e me encontrar no lugar de sempre.

- Você a ajudou a fugir?

Ele riu.

- Não. Cortei o pescoço dela e a joguei em uma vala. Ninguém deu queixa de seu desaparecimento. Ne procuraram por ela.

Ele se levantou, se espreguiçou como se tivesse acabado de me contar uma história para dormir, abriu a porta e me deixou ali, apagando a luz e fazendo o quarto mergulhar nas trevas.

Ele me deixou sozinha a maior parte do dia. De vez em quando eu me perguntava se ele tinha saído, mas depois ouvia ruídos vindos de algum ugar da casa e me dava conta de que ele estivera ali o tempo todo. Ouvia batidas, vindo lá de fora - da garagem? O que ele estaria fazendo?

Passei algum tempo olhando pela janela, esperando que alguém me visse. Eu olhava desesperadamente para o jardim da casa ao lado, desejando enlouquecidamente que alguém aparecesse para eu bater na janela. Tentei quebrar o vidro com as algemas, mas isso fez um barulho tão alto que poderia chamar a atenção dele e fazê-lo voltar. Além do mais, de qualquer maneira não fazia sentido. Não havia ninguém que pudesse ouvir exceto ele.

O tempo tinha virado, trazendo chuva e vento. Parecia mais outubro do que junho. Sentei-me de costas para parede e esperei que ele viesse acabar comigo. Olhei para meus pulsos, para as crostas que tinham se formado, finas e apertadas, sobre as feridas que as algemas já tinham provocado ontem. Se eu me mexesse demais, elas se reabririam, então fiquei quieta. Os três dedos do meio da mão direita não dobravam. A pele estava roxa e manchada, mas o inchaço diminuíram um pouco. Ainda bem que ali não tinham um espelho. Meu olho ainda estava quase totalmente fechado e meus ouvidos zumbiam.

Quando começou a escurecer, senti que a exaustão e a sede haviam consumido toda a minha energia, então me deitei novamente, me cobrindo com a manta. Devo ter dormido, porque quando despertei ele estava ali, de pé ao meu lado, e, apesar da fratura, meu nariz detectou algo.

- Levante-se - disse ele, com a voz firme mais não colérica.

Forcei meus músculos doloridos até conseguir me sentar. No chão, sob a luz do corredor, pude ver um pacote de batatas fritas e um balde com água. Pelo cheiro, não era água sanitária. Foi difícil resistir à ânsia de enfiar a cabeça lá dentro e beber tudo.

Ele se virou, saiu e trancou a porta.

- Obrigada - falei, com a voz áspera, antes de inclinar o balde e começar a beber, minha boca já endurecida de tão seca.

A luz se apagou e a porta estava trancada. Depois de alguns minutos, me deitei no tapete e me cobri do jeito que pude, ainda sentindo o cheiro de urina sangue e alvejante. Lembrei-me de Naomi e me perguntei quanto tempo ainda me restava. 

No EscuroOnde histórias criam vida. Descubra agora