𝒞𝒶𝓅𝒾𝓉𝓊𝓁𝑜 8

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𝑆𝑒𝑔𝑢𝑛𝑑𝑎-𝑓𝑒𝑖𝑟𝑎, 17 𝑑𝑒 𝑛𝑜𝑣𝑒𝑚𝑏𝑟𝑜 𝑑𝑒 2003

Era quase meia-noite quando Lee finalmente apareceu.

Ele dissera que viria à minha casa às oito, ou mais ou menos nesse horário, e depois não dera mais notícias - nenhum telefonema nem mensagem de texto, nada, até quase meia-noite. Às onze, furiosa, quase saí de casa, mas em vez disso resolvi dormir. Passei a noite toda lutando contra o impulso de ligar para ele e perguntar "Onde está você?", mas em vez disso fiz uma faxina, limpei o banheiro, mandei e-mails para alguns amigos e fui ficando cada vez mais irritada.

Até ouvir a batida na porta.

Deitada na cama olhando para o teto, eu não sabia se tinha realmente ouvido algo, até que bateram de novo, dessa vez ligeiramente mais forte. Contemplei a possibilidade de ignorá-lo; era isso o que ele merecia, por me deixar esperando daquele jeito! Além disso, eu estava de pijama.

Esperei alguns instantes e não ouvi mais nada, só que não consegui mais continuar ali deitada. A raiva pressionava meu estômago como um peso morto. Suspirando, levantei-me da cama e desci a escada sem fazer barulho e acendi a luz do corredor. Estava ensaiando mentalmente a bronca que eu daria nele quando abri a porta.

Havia sangue no seu rosto,

- Ah, meu Deus! Merda! O que aconteceu?

Mesmo descalça, cruzei a porta, tocando seu rosto, sua pele, sentindo-o encolher de dor ao meu toque.

- Posso entrar? - perguntou, com um sorriso atrevido.

Ele não estava nem um pouco bêbado, o contrário do que eu tina pensado a princípio. E estava vestido de uma forma muito diferente da última vez em que eu o vira: uma calça jeans imunda, uma camisa que algum dia já fora azul-clara mas agora estava estampada com nódoas de sangue e manchas de gordura, um casaco marrom esfarrapado e um par de tênis que deveria ser muito velho Mas não senti bafo de álcool nele - apenas suor, sujeira e o cheiro da noite fria lá fora.

Depois dessa primeira impressão, o que me ocorreu, e que acabei verbalizando, foi:

- Que raios aconteceu com você?

Ele não respondeu, mas eu tampouco lhe dei a oportunidade, puxando-o para dentro e fazendo com que sentasse no sofá, enquanto eu pegava algodão, antisséptico, toalha e água morna. Na semiescuridão, sob a pouca luz que vinha do corredor, limpei o sangue em torno de seu olho, sentindo o inchaço na pele diminuir. O sangue vertia de um corte na sua sobrancelha.

- Você vai me contar? - perguntei baixinho.

Ele olhou para mim e afagou meu rosto.

- Você está linda - falou. - Sinto muito por estar tão atrasado.
- Lee, por favor. O que aconteceu?

Ele balançou a cabeça.

- Não posso contar. Só posso dizer que lamento muito não ter conseguido chegar às oito. Tentei de todas as maneiras achar um telefone, mas não consegui.

Parei de cuidar de seu rosto e o encarei. Ele parecia sincero, ao menos.

- Tudo bem - falei. - Você está aqui agora. - Pressionei o algodão contra sua sobrancelha um instante. - Embora o jantar esteja arruinado.

Ele riu, depois estremeceu um pouco.

- Levante a camisa - ordenei, e, como ele não obedeceu imediatamente, comecei a desabotoá-la eu mesma. Um lado de seu peito estava vermelho e arranhado; no dia seguinte surgiria os hematomas. - Meu Deus, você deveria estar na emergência de um hospital, não na minha casa.

Suas mãos foram parar nas minhas costas, e ele me puxou em sua direção.

- Eu não vou a lugar algum.

Seu beijo começou delicado, mas isso durou pouco tempo. Depois se tornou violento e urgente, e eu retribuía com maior intensidade ainda. Ele enfiou os dedos por entre os meus cabelos, puxando meu rosto contra o seu. Depois de um instante eu me afastei um pouco, mas somente para tirar minha camiseta pela cabeça.

Para uma primeira vez, não foi nada muito especial. Ele cheirava a óleo de máquina e tinha gosto de café instantâneo da véspera; seu rosto estava áspero por causa da barba por fazer e ele o pressionava contra o meu, mas ainda assim eu o desejava loucamente. Embora ele parecesse ter esquecido que talvez fosse uma boa ideia usar preservativo, eu não queria interrompê-lo; foi tudo rápido e desajeitado, braços e pernas dando nós, as roupas ainda atrapalhando. Ele respirava de forma rápida no meu pescoço, e alguns minutos depois saiu de dentro de mim e gozou na minha barriga.

Na penumbra, vi seus olhos azuis se encherem de lágrimas, enquanto sua respiração desacelerava. Ele pareceu engasgar, soluçar, e eu o puxei novamente na minha direção, sentindo as gotas quentes contra meu peito, de lágrima ou sangue, eu não sabia ao certo.

- Sinto muito... Está tudo errado. Eu não queria que fosse assim. Queria que fosse diferente. Sempre faço isso, acabo sempre fazendo merda.
- Lee, está tudo bem. De verdade.

Quando ele se acalmou de novo, deixei-o no sofá e preparei chá com torradas. Ele comeu como se estivesse abeira da inanição, e eu fiquei sentada à sua frente, observando-o, me perguntando o que havia acontecido e como eu poderia convencê-lo a falar sobre o assunto. Depois que ele terminou de comer, levei-o para o chuveiro e pude enfim limpá-lo direito. Ele ficou encostado na parede, de olhos fechados, enquanto eu passava a esponja pelo pescoço e pelas costas dele. Seu ombro direito estava seriamente esfolado, como se ele tivesse saltado de um carro em movimento e rolado no asfalto. A mão direita estava inchada, os nós dos dedos todos arranhados; estava claro que o sujeito com quem ele se metera também tinha apanhado muito. Sob seu braço esquerdo, profundas marcas vermelhas desciam até a base das costas. Talvez ele tivesse quebrado algumas costelas. Comecei a lavar seu cabelo, usando o chuveirinho para enxaguar o xampu sem deixar a espuma cair nos olhos. Havia mais sangue no seu couro cabeludo, sobre a orelha direita; muito sangue, e já solidamente coagulado, mas não vi nenhum ferimento aparente. De onde quer que tivesse vindo, escorreu todo pelo ralo e desapareceu.

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𝙴𝚜𝚙𝚎𝚛𝚘 𝚚𝚞𝚎 𝚎𝚜𝚝𝚎𝚓𝚊𝚖 𝚐𝚘𝚜𝚝𝚊𝚗𝚍𝚘 ❦

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