𝒞𝒶𝓅𝒾𝓉𝓊𝓁𝑜 32

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Sexta-feira, 19 de março de 2004

A caminho de casa, parei na agência dos correios do centro da cidade e peguei um formulário para tirar passaporte. Aproveitei para dar uma olhada nas lojas enquanto estava por lá, procurando roupas mas sem experimentá-las. Simplesmente não estava a fim de voltar para casa, ainda não. Lee estava trabalhando naquele dia e eu não recebera uma mensagem de texto nem um telefonema dele desde a véspera.

Quando abri a porta, imediatamente tive aquela impressão de que havia algo errado. Não era uma corrente de ar, um cheiro, ou qualquer coisa tangível. Meu carro estava na entrada e não havia sinal do Lee ou de algum outro por perto. Eu simplesmente sabia que alguém tinha entrado ali na minha ausência.

Fiquei parada sobre o tapete da entrada um instante, a porta ainda aberta, me perguntando se deveria entrar ou voltar para o carro e sair dali. O corredor estava vazio, eu podia vê-lo por completo até a cozinha - tudo estava conforme eu deixara. 

Não seja boba, eu disse a mim mesma. Ninguém esteve aqui, é só sua imaginação fértil, por causa do arrombamento.

Deixei a chave e a bolsa na cozinha e segui até a sala de estar. Chegando lá, parei de súbito. Lee estava sentado no sofá, vendo TV sem som.

Soltei uma exclamação de choque.

- Meu Deus, você quase me mata de susto!

Ele se levantou e veio na minha direção.

- Que porra é essa? Onde você andou?

- Estava na cidade. Fui ao correio. E não fale assim comigo, não interessa onde eu fui.

- Passou duas horas na porra do correio?

Ele estava a centímetros de mim. Eu podia sentir o calor do seu corpo, que emanava do mesmo modo a intensidade da sua ira. Suas mãos pareciam relaxadas ao lado do corpo, a voz equilibrada.

Assim mesmo, eu fiquei com medo.

- Se você continuar falando comigo desse jeito, vou sair de novo - falei, dando-lhe as costas.

Senti seus dedos agarrarem meu braço, e ele me puxou com tanta força que meus pés saíram do chão.

- Não me deixe aqui falando sozinho - disse ele, bem perto do meu rosto, seu hálito soprando quente na minha face.

- Sinto muito - murmurei.

Ele me soltou, e eu caí batendo na parede. No momento em que ele se afastou de mim, disparei até a porta da frente. Minhas chaves estavam na cozinha, mas não importava, eu precisava sair dala, sair correndo.

Mas não consegui. Ele foi o primeiro a alcançar a porta, e, antes que eu fizesse alguma ideia do que estava acontecendo, um golpe atingiu meu rosto, no canto do olho.

Caí no chão, ao lado da escada. Ele me olhava do alto. Eu estava tão chocada que não conseguia recuperar o fôlego, apenas soluçava, tocando o rosto para ver se estava sangrando. Então ele se agachou ao meu lado e eu me encolhi, tentando recuar, achando que ia me bater de novo.

- Catherine - falou meu nome, mantendo a voz baixa e uma calma estarrecedora. - Não me obrigue a fazer isso de novo, entendeu? É só voltar para casa na hora , ou me avisar onde vai. Simples assim. Eu sou o único que toma conta de você, e você sabe disso, não é? Então não dificulte as coisas para si mesma e faça o que eu digo.

Havíamos chegado a um ponto crítico. Era como se minha tentativa de negar a realidade não pudesse mais se sustentar, eu gora sabia do que ele era capaz, o que podia fazer e o que esperava de mim. Era como se uma porta tivesse sido batida com força na cara da antiga, ingênua e despreocupada Catherine. O que sobrou foi eu: aquela que sentia medo o tempo todo, que olhava pata trás por achar que estava sendo seguida, aquela que sabia que, fosse lá o que o futuro lhe reserva, dificilmente seria algo bom.

Horas depois, quando finalmente tomei coragem para me olhar no espelho, vi que praticamente não havia marca em meu rosto. Embora na hora eu houvesse tido a impressão de que ele partira meu osso malar. Minha cabeça doía, mas na superfície, na pele, havia apenas um inchaço, praticamente imperceptível e uma pequena marca vermelha. Como se ele nunca tivesse me agredido.

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