3

83 17 13
                                    

SIMON

Preciso pegar um ônibus todas as manhãs para chegar à Salisbury's Bakery (estou pensando em comprar uma bicicleta, não é tão longe assim); felizmente, me adapto rápido aos horários. Acordo, tomo banho, como qualquer coisa e saio.

Meu tio me deu uma boa aula sobre a cozinha e tem me ajudado quando surge alguma dúvida, mas eu já trabalhei com isso antes, em Londres, então não é muita novidade. Eu e ele preparamos as comidas e bebidas, minha tia cuida do caixa e Priya – a irmã da Penny – atende às mesas.

O que mais sai são os scones de cereja. A receita é da minha avó e eu sei fazer de olhos fechados; ela me ensinou quando eu ainda era criança. Eu amava cozinhar com ela e sempre queria ajudar a pôr fogo no fogão à lenha – muitas vezes acabava indo para a escola com os cabelos fedendo a fumaça, o que fazia Penny reclamar e Baz zombar de mim (eu costumava chegar perto o suficiente para ele sentir o cheiro).

Estive ocupado, o que o manteve fora dos meus pensamentos. Pelo menos até o dia em que Agatha me enviou uma mensagem perguntando a que horas eu saía da cafeteria e então me deu uma carona para casa.

– Você vai subir? – pergunto assim que ela estaciona.

– Ah, não – Aggie se contorce para pegar algo no banco de trás. – Toma – reconheço a caixa, porque escrevi meu nome nela. – Ele falou que não tem o que fazer com isso. E o cheque tá aí dentro – eu respiro fundo.

– Eu vou enfiar essa merda na garganta dele.

– Fique à vontade, porque eu estou saindo do meio. Já pedi desculpas pela confusão. Agora vocês que se resolvam sozinhos.

Eu enrolei uns dias, encarando a caixa em cima do balcão da cozinha, até que resolvi entrega-la de uma vez. Estava adiando porque não queria vê-lo, não queria encontra-lo, não queria saber o que aconteceria quando o visse de novo – se aconteceria algo (provavelmente sim, já que uma simples menção ao nome dele me deixa... não quero pensar sobre como isso me deixa).

Baz Pitch sempre teve o poder de me desestabilizar, nunca neguei.

Eu fui para o trabalho e perguntei a Priya se ela, por acaso, não sabia onde ele dava aula de violino. Descobri que ficava a poucos quarteirões da cafeteria e fui a pé mesmo. Talvez eu tivesse alguma sorte e ele não estivesse lá, aí eu só deixaria a caixa e pediria para entregarem por mim.

Não tive sorte nenhuma.

– O senhor deseja se matricular? Se não me engano, ainda há uma vaga aberta para a turma 2 – é a resposta da recepcionista, quando pergunto sobre Baz.

– Não, não! É assunto particular – mostro a caixa.

– Ah, tudo bem. Sala 44, no corredor à direita. Aguarde uns dois minutos, a aula já vai acabar.

– Certo. Obrigado.

O vejo através do vidro da porta. Seus cabelos estão presos num coque, o violino está posicionado sobre o ombro e ele explica alguma coisa para os alunos, antes de arrumar os dedos sobre as cordas e tocar por alguns segundos. Não dá para ouvir direito, por conta do isolamento acústico, mas não deixa de ser meio hipnótico e nostálgico.

Me perco em lembranças – como quando eu assistia os ensaios dele escondido, apenas para ter certeza de que ele não estava tramando nada (e porque eu achava bonito. O som do violino) – e só me dou conta de que a aula acabou quando alguém atrás de mim pede licença e entra na sala, logo depois de o último aluno sair. Reconheço o homem enquanto o observo caminhar: o mesmo da festa de ano novo.

scones de cerejaOnde histórias criam vida. Descubra agora