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SIMON

Não sinto aquela mesma animação por estar voltando a Hampshire, a inquietude agradável que senti da outra vez. Eu estou feliz por voltar, eu ainda quero isso, estou verdadeiramente contente pelo trabalho e por ter conseguido um apartamento – minúsculo, devo dizer – para morar. Mas, antes do Natal, antes do ano novo, havia algo a mais no ar, uma vibração diferente, uma certa magia pairando.

Coloco isso na minha "lista de coisas para não se pensar". Não é uma lista muito longa, eu comecei essa faz pouco tempo... Minha ex-terapeuta odiaria saber que eu tenho uma nova lista de bloqueio.

Shepard não me deixou contratar um serviço de frete para trazer as últimas caixas.

– Eu tenho uma caminhonete, Simon! Não vou te deixar pagar pra carregar coisas quando tenho uma caminhonete à disposição! – ele disse.

Penny não veio dessa vez, nos despedimos no apartamento dela. Não consegui não chorar um pouquinho (ela me disse para não fazer cena, mas tenho certeza que a ouvi fungar enquanto me abraçava).

Quando enfim chegamos no meu novo endereço, eu deixo dinheiro para a gasolina em cima do painel do carro – sem que Shep veja, é claro – e desço. Nós carregamos as tralhas escada a cima e as empilhamos na sala e no quarto, e aí nos despedimos também.

Só percebo que dormi esparramado entre três caixas de papelão na cama sem lençol quando acordo no outro dia, com meu celular tocando inconvenientemente perto da minha orelha. Nem abro os olhos para atender.

– Oi?

Você vai abrir a porta pras suas primeiras visitas ou vamos ter que arrombar? – é Aggie.

Ela e Ginger me trouxeram café da manhã – eu as amo tanto – e utensílios de limpeza. Depois de um pouco de conversa fiada, as duas me ajudaram a varrer e espanar o apartamento e a colocar algumas coisas no lugar.

– A gente pode voltar amanhã, ainda tem bastante bagunça – Ginger ofereceu, no fim do dia. Estávamos os três esparramados na pequena sala; elas no chão, eu no sofá.

– Não precisa, aos poucos eu ajeito o que falta.

– A gente vai voltar – Agatha decreta. – Senão você vai dar nomes às caixas de papelão e passar a dividir a casa com elas – Ginger ri e Aggie beija sua bochecha. – Quando você começa a trabalhar, Si?

– Depois de amanhã.

– Que rápido.

– Ainda bem. Estou ansioso.

– Ai, pra ser sincera, eu também estou com saudade do trabalho – Ginger faz uma careta para ela. – Falando na cafeteria, Simon – ela procura algo em sua bolsa. – Baz pediu pra te dar isso aqui.

Meus batimentos cardíacos variam inevitavelmente. Não sei como me sinto em relação a Baz. Não pensei nele depois daquilo, da festa de ano novo. Melhor dizendo: não pensei na situação, decidi que não tinha para que pensar nela. Mas tentar não pensar em Baz sempre foi uma dificuldade para mim – mesmo nos cinco anos que estive longe dele em Londres –, ele aparece na minha cabeça quando eu menos espero, desde Watford.

Eu pego o papel que Aggie estende para mim e não preciso de muito tempo para entender o que é: a porra de um cheque. O dinheiro que eu disse a ele que não queria.

– Você conversou com ele? – pergunto.

– Sim. Ele me contou que vocês brigaram...

– Ele contou que eu falei que não ia aceitar o dinheiro? – estou meio bravo, meio chateado. Ela nega com a cabeça. – Ele sabe que eu não quero isso, mandou só pra me irritar – e conseguiu. Entrego o cheque a ela.

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