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SIMON

Eu comprei a bicicleta.

Passei a ir e voltar do trabalho pedalando e peguei gosto pela coisa – quando vi já estava rodando Hampshire com ela, mesmo quando não era necessário, pelo puro prazer de ter o vento no rosto. Ginger afirmou que isso era ótimo para o meu corpo, Shepard contou por vídeo chamada diversas histórias de quando ele morava nos EUA e fazia umas trilhas malucas, Gareth (somos praticamente vizinhos!) disse para chama-lo se precisar de ajuda com algum conserto.

Eu estava amando criar minha nova rotina; o fato de ter Agatha perto outra vez, poder passar os finais de semana com minha avó, descobrir os locais do apartamento em que o sol batia, e em quais horários, para colocar as plantas lá.

Gostaria muito de dizer que tudo estava se ajeitando como o previsto, que não havia nada com o que me preocupar, nem nada sendo empurrado para o fundo da minha cabeça. Adoraria confessar que depois que devolvi as coisas de Baz nunca mais olhei na cara dele e o esqueci completamente, mas essa não era uma opção morando nessa cidade. Não dava para sair de casa sem encontra-lo.

Nos esbarrávamos em absolutamente todos os lugares: no mercado, na lanchonete, na praça, uma vez quando ele saía do clube com roupa de tênis e cabelo preso num rabo de cavalo – até na floricultura chegamos a nos ver. Às vezes ele estava sozinho, às vezes com Lamb. Às vezes nossos olhares se conectavam por breves segundos, às vezes fingíamos não notar a presença um do outro.

Em fevereiro, tento ignorar o dia dos namorados – o que não é assim tão difícil quando se está ocupado assando coisas, misturando cremes, cortando frutas –, mas é claro que, em algum instante, alguma coisa me faria pensar nele.

Apesar de ser uma data em que a cafeteria fica lotada, consigo me adiantar e sair um pouquinho mais cedo; a caminho da porta, eu o vejo. Não Baz, Lamb. Parado na fila, carregando um buquê de tulipas. Ele não gosta de tulipas, penso, sem saber exatamente porque sei essa informação.

Imagino-o recebendo rosas ao invés disso, ou lírios. Imagino o sorriso dele. A forma como o cabelo cai num véu negro sobre sua bochecha. Os olhos extremamente cinzas cintilando. Mas ele vai ganhar tulipas, digo em minha cabeça, porque o namorado dele comprou tulipas. Depois de um tempo, acrescento, um tanto mais agressivamente: talvez, depois de tudo, ele mereça tulipas.

Poucos dias depois, quando acontece a tão aguardada Feira de Adoção promovida pelo pet shop em que Agatha trabalha, Baz aparece por lá.

Estávamos, Ginger e eu, dando uma volta pela praça onde a coisa toda acontecia, olhando os cercadinhos cheios de cachorrinhos e gatinhos, desde filhotes até os mais velhos.

– Ah, não, Simon! Olha aquele ali! – Ginger apontava para o meio de um monte de gatos pequenininhos. – Aquele cinza, tá vendo?

O felino em questão brincava com uma bolinha vermelha, todo desengonçado. Ri, assistindo a cena e me agachei perto dele. Quando perguntei ao rapaz que cuidava do cercado se podia segurá-lo, ele me lançou um olhar de "se você conseguir capturar a fera". No primeiro momento, o filhote parecia assustado com minhas mãos se aproximando, então as deixei paradas; lentamente, ele veio até meus dedos.

Encarei Ginger, pedindo mentalmente para que ela confirmasse que eu não havia me transformado numa poça derretida no chão.

– Eu acho que ele gostou de você, Si.

Eu o trouxe para mais perto de mim. Seus olhos eram grandes e curiosos, arregalados; as unhas estavam preparadas para me arranhar, o pelo era denso, espetado em todas as direções e da cor de fumaça – ele parecia um punhado muito fofinho de cinzas. Eu soube que não conseguiria larga-lo quando o bicho soltou um miadinho e meu coração parou.

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