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SIMON

As semanas seguintes se passam de modo completamente oposto ao que eu esperava. Não há nada estranho entre nós; na verdade, só nos aproximamos mais – o que tira um peso enorme do meu peito.

Baz continua me levando para casa depois do trabalho; às vezes ele me espera fechar a cafeteria, às vezes eu saio mais cedo e o encontro na escola. Certo dia ele está me esperando do outro lado da calçada, em frente a Salisbury's Bakery. Está encostado no carro, com uma das mãos no bolso da calça, a outra segurando o celular junto à orelha, e tem óculos de sol enormes no rosto.

Pego meu próprio smartphone e tiro uma foto para um story no instagram. Posto com a legenda: por que sempre parece que ele tá numa propaganda de relógios??? Mais tarde ele responde o post com um "isso foi um elogio ou o quê?".

Como poderia NÃO ser um elogio??!, digito de volta.


BAZ

Ginger decide que vamos comemorar o aniversário dela num pub.

Todos temos alguma quantidade de álcool nas veias quando a música delas começa a tocar e somos arrastados pelo casal para o que elas chamam de dança. Eu mal consigo me balançar no ritmo, pois estou ocupado demais gargalhando do pateta a minha frente: Simon Snow.

Seus passos são completamente desengonçados, ele faz caras e bocas, dubla a música como se estivesse no Rupaul's. Quase passo mal. No fim ele segura minha mão, me faz dar um giro e pisca para mim.

Saímos do pub de braços dados, nós quatro.

Simon beija minha bochecha ao se despedir.


SIMON

Numa semana, Baz está ótimo, na outra, fica doente e vai passar uns dias na casa dos pais – eles têm uma pessoa que ajuda a cuidar das crianças, faz comida; pareceu melhor do que ele ficar sozinho no apartamento dele.

– Avisei que era melhor não vir, Snow – a voz dele é murcha e sonolenta. Ele está mais pálido que de costume, seus lábios quase não têm cor, e ele parece cansado. Ainda assim, com os cabelos bagunçados e espalhados sobre o travesseiro, Basilton continua lindo.

– E sabe que eu sou teimoso. Onde coloco isso? – ergo a sacola, ele indica uma das mil superfícies disponíveis no quarto gigante de paredes vermelhas.

– Você trouxe mesmo comida para alguém que está com intoxicação alimentar?

– Se você melhorar, duvido que vai resistir ao seu bolo favorito – ele sorri fraco. – Deixei scones lá embaixo também, pra sua família.

– Falou com alguém na subida para cá ou teve a sorte de só encontrar Vera? – eu sento no colchão de rico dele.

– Falei com sua tia e seu irmãozinho.

– Qual dos dois te assustou mais? – jogo uma almofada nele, de leve.

– A casa me assusta – ele ri mais, o que me faz sorrir. – Seu quarto é vermelho e tem gárgulas em todo lugar que olho!

– É uma casa histórica, Simon. E tem cores para quebrar o vermelho ali – ele indica a bandeira listrada com tons de verde, azul e roxo pendurada atrás da porta do quarto.

– Por que a bandeira gay fica atrás da sua porta?

– Não combina com a decoração, mas eu queria colocar em algum lugar. Tenho uma maior no meu apartamento.

– Assim que você melhorar, vamos marcar aquela noite de filmes com as meninas, aí eu te falo se prefiro lá ou aqui.

– Certo – seus olhos me prendem. – Ei?

– O quê?

– Encosta aqui – Baz apalpa o travesseiro ao lado do dele. – Estou piorando só de ver sua coluna toda torta desse jeito.

Faço o que ele pediu e, no processo, acabamos nos tocando.

– Meu Deus. É a primeira vez que você não está gelado que nem vampiro.

– Você acha que estou muito quente? – coloco a mão em sua testa, bochechas, pescoço.

– Não demais. Quer medir a temperatura?

– Fiz isso há pouco tempo.

– Ok. Está com frio? Quer outro cobertor?

– Estou bem, Simon – ele treme assim que termina a frase.

– Estou vendo. Vem cá, eu sou quentinho – afirmo, passando um braço pelos seus ombros.

– É, mas eu também estou quente e não está fazendo frio. Vou te matar de calor.

– Sim, sim. Vamos morrer incinerados. Cala a boca – eu adoro faze-lo rir.

– Acho que estamos quites. Quero dizer, não estou hospitalizado, mas acho que conta – Baz declara, após encontrarmos uma posição confortável.

– Você tá delirando? – ele enfia o cotovelo na minha costela. – Au.

– Não sei se Agatha te disse, mas no dia do seu acidente eu corri para o hospital junto com ela.

– O quê? – minha respiração muda de repente. Fica lenta. Tal como o meu cérebro. – Não... Ela não falou.

– Estávamos esperando ela e Ginger lá em casa, Lamb e eu... Então Agatha mandou mensagem cancelando e dizendo que você tinha sofrido um acidente. Nem lembro como dirigi até o hospital. Fiquei lá até terminarem sua cirurgia, até sua tia voltar com informações depois de te ver.

Fico em silêncio, imaginando a cena da perspectiva dele.

– Lamb estava com você? Digo, no hospital, ele estava junto?

– Não. Foi nessa noite que terminamos.

– Ah – eu engulo em seco. – Por que não me falou antes? Que esteve lá...

– Não estava preparado para dizer ainda.

Sinto que meu coração está esmurrando os outros órgãos, tamanha força que está bombeando o sangue. Meus pulmões já quase não funcionam.

– E tem... – minha voz sai tão baixa que tenho certeza que ele não poderia ouvir. Limpo a garganta. – E tem mais alguma coisa que você quer me dizer? Que está pronto para dizer agora?

– Na verdade, sim.

– O quê?

– Eu também nunca odiei você, Simon.

Eu juro que poderia derreter nesse instante, pela junção dos fatores: o que ele acabou de anunciar e o calor. Eu deixo as palavras dele se assentarem, ecoarem na minha cabeça naquela voz baixa e fraca. Depois o aconchego mais em meu abraço e pressiono os lábios em seus cabelos.

– Maldita adolescência – sussurro, no que ele ri e concorda.

Colocamos um filme e assistimos até o momento em que as gêmeas Grimm invadem o quarto, aí acabamos ganhando manicure grátis! Posto uma foto das nossas unhas pintadas no instagram – as minhas são amarelas, as dele azuis.

Vou embora quando Baz cai no sono e volto no dia seguinte, assim que saio do trabalho. No outro dia ele já está melhor e decide voltar para o seu apartamento.

scones de cerejaOnde histórias criam vida. Descubra agora