Lenda Injustiçada

110 17 426
                                    

Terminou de distribuir os panfletos, satisfeita. Embora tivesse meros 15 anos de idade, fora incumbida de uma tarefa de importância tremenda! Sentia-se, ao mesmo tempo, feliz e muito ansiosa, temendo que algo desse errado.

Olhou em direção ao altar, e o sorriso reconfortante do pastor acalentou seu turbulento coração. Passou pelos bancos, tomando o cuidado necessário para não bagunçar nada, e foi até o ministrante.

- Tudo prontinho, pastor Ignácio.

- Muito bem, minha jovem, excelente trabalho – respondeu o doce homem, seu sorriso cada vez mais caloroso, embora algo no olhar dele a tenha incomodado bem no fundo de seu subconsciente.

Passou o restante da palestra com a mente distante. Sentia-se péssima por negligenciar a palavra do Senhor daquela forma, mas não conseguia focar de verdade nas palavras do pastor. O que era? O que a incomodava tanto na forma como o pastor a olhou? Forçou-se com mais afinco a ignorar a situação, que enfim tornou-se um distante devaneio, "coisa de criança", como diria sua mãe.

Ao fim da palestra, enquanto todos oravam suas súplicas, ela arrepiou-se inteira quando o pastor mencionou seu nome em seus pedidos ao Senhor.

- Proteja sua filha que hoje começou um importante trabalho em honra ao Senhor...

Algo na entonação dele perfurou seus pensamentos, resgatando o incômodo inicial. Apenas balançou a cabeça, em concordância solene, e murmurou amém, cada vez mais irritada com aquela pulga atrás de sua orelha. Todos se levantaram, e começaram a se cumprimentar. Logo que boa parte de seus irmãos saíram do pequeno local, ela começou a recolher todos os panfletos. Quando chegou na última fileira, ouviu seu nome, assustando-se.

- Graziela? – chamou de novo o pastor – Está tudo bem, minha jovem?

- Está sim, pastor! – respondeu. – Estava apenas um pouco distraída.

- Espero que a tarefa não esteja sendo incômoda – pontuou o homem, aparentemente preocupado.

- Pelo contrário! Está sendo uma honra sem tamanho. – Concluiu, sorrindo para reconfortá-lo.

A expressão preocupada suavizou, e logo sumiu. Em seu lugar, apareceu um olhar desconhecido para Graziela até então.

- Será que você poderia levar os panfletos até o quarto dos fundos? – perguntou o homem, ajeitando o cinto, olhando-a da cabeça aos pés enquanto a menina pegava os últimos pedaços de papel.

- Claro – respondeu, alheia ao olhar, mas ainda se sentindo incomodada mesmo assim. – Levo sim, pastor!

- Muito obrigado.

Ela terminou de recolher, e passou pelo homem, sorrindo. Se dirigiu aos fundos, passando por alguns itens que eram utilizados durante as palestras, como castiçais e outras bugigangas. Entrou em um quarto, virando à direita, e deixou os panfletos em um cantinho na estante de bíblias que era destinado especificamente para eles, e virou-se, se deparando com o pastor parado na porta.

- Tudo bem? – questionou o homem.

- Tudo sim... – respondeu, temerosa e confusa, sem saber exatamente o que temia.

- Ótimo, ótimo...

- Bem... Eu preciso ir, pastor, com licença.

- Vá com Deus, minha jovem – respondeu, o sorriso reconfortante voltando ao rosto.

Graziela sorriu de volta, sentindo-se melhor do que antes, mas ainda um pouco hesitante em relação ao comportamento esquisito dele. Saiu rapidamente da igrejinha, um medo irracional apertando seu coração com uma mão fria feito o próprio diabo. Mal viu o caminho de volta para casa ao correr com sebo nas canelas.

Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora