Aquele banco maldito

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Conforme caminhava pela rua, chutando pedrinhas que apareciam aqui e lá, eu sentia cada vez mais vontade de simplesmente parar e me deitar na calçada dura e quente para aguardar a morte.

Minhas mãos suavam dentro de meus bolsos, mas eu não me importava. Minhas costas pingavam, alagando a parte de trás da minha cueca, deixando minha bunda com uma sensação fria e asquerosa, mas quem liga?

Ergui a cabeça antes de desviar de uma mulher que vinha em minha direção com o celular pendurado na orelha, falando porcarias e mais porcarias ao vento, quando minha atenção grudou em algo.

Percebi um vulto branco, brilhando para mim, radiante como o próprio Sol, em uma loja, e virei-me rapidamente para olhar, chocado com o detalhe maravilhosamente repentino no meio daquele mar de pessoas.

Foi instantâneo, arrebatador, divertido, gostoso, assustador, maravilhoso, olhar para aquele banquinho. Ela olhou de volta para mim, e foi amor à primeira vista.

Atravessei a rua, alheio à faixa de pedestres, ao sinal vermelho e até mesmo ao ônibus que vinha em minha direção em velocidade moderada. Ouvi a buzina altíssima, mas não liguei de fato. Nem senti o vento bagunçando meu cabelo quando o veículo passou a poucos centímetros de meu corpo.

Minha atenção estava 100% no banquinho.

Caminhei até ela, com uma lentidão atemporal. Embora a barulheira urbana rugindo de todos os lados, eu conseguia ouvir meu próprio sangue correndo com o silêncio maravilhoso daquela conexão incrível com aquele amontoado de pedaços de madeira.

Cheguei na loja, olhei seus arredores, mas sem realmente me importar. Peguei o banquinho, ergui, analisei o acabamento, passei a mão por ele, sentindo que aquele era um momento tão íntimo que talvez fosse até mesmo indecente que não estivéssemos entre quatro paredes.

- S-senhor? – amaldiçoei com todas as minhas forças a pessoa que me encarava com curiosidade.

- Sim? – segurei o banquinho com mais afinco, temendo que a tirassem de mim.

- Posso ajudar?

- Eu quero ela – indiquei com a cabeça o banquinho em meus braços, imaginando ter sido claro o bastante.

- Ok – o atendente soou confuso, como se não tivesse entendido direito o que falei. Ou talvez fosse a atendente? Honestamente, não tenho ideia, tudo que aconteceu no caminho até o caixa foi um borrão completo.

Só voltei aos meus sentidos quando cheguei em casa. Coloquei o banquinho no chão, maravilhado. Era tão lindo, tão aconchegante, tão maravilhoso...

Subi correndo as escadas, e a coloquei ao lado da minha cama. Fiquei observando-a por horas, sentindo tudo que a moça no banquinho tinha para me dizer. Ela era linda, sentada nele, com as mãos cruzadas sobre o colo, sua aparência cadavérica.

Me olhava com gentileza, como se soubesse o que viria a seguir. Claro que sabia, tendo ela mesmo feito aquilo. Fui até o armário, abri e peguei a coisa que tinha comprado a tanto tempo, imaginando lá no fundo que jamais chegaria o dia de usá-la. Passei a mão por ele, sentindo sua aspereza. A dona do banquinho sussurrava para mim palavras de conforto e encorajamento.

Eu me sentia abraçado e amado pela primeira vez em toda a minha vida. Subi no banco, conforme sua instrução.

Alcei a viga, e puxei a corda, verificando a firmeza. Senti que estremecera um pouco, mas ignorei. Então, com toda a calma do mundo, cruzei a corda, formando um X, e passei a ponta solta da corda por de trás, envolvendo ambas as partes, e depois puxei para dentro do círculo.

Puxei bastante, firmando bem o nó. Puxei a corda até a outra ponta, e fiz a mesma coisa, mas deixando um espaço bem largo. Dei alguns puxões fortes, verificando se estava boa.

O tempo todo, sentia o assoprar gostoso e frio da dona do banquinho, sussurrando todos os tipos de incentivos maravilhosos. Passei a corda pela cabeça, e por um instante senti-me como um rei sendo recém-coroado. Abaixei mais um pouco, firmando-a no pescoço.

Olhei para a frente, e o desespero me acertou da mesma forma que aquele ônibus teria acertado. O que eu estava fazendo? Pra que comprei aquele banquinho? Eu não precisava de banco nenhum, porra. O que diabos estava fazendo com aquela corda? Eu não tinha jurado pra minha mãe que não usaria aquela porcaria nunca mais?

Comecei a lutar para tirá-la, assustado e temoroso por minha vida, até que senti um empurrão para a frente. Meu pé escorregou, e eu lutei, lutei muito para firmar-me no banquinho, mas foi inútil.

Meus braços soltaram com o impacto da queda e a resistência da corda me sufocou.

Eu ainda conseguia respirar, mas por pouco tempo. Eu me debatia, balançando-me para os lados, a consciência lentamente se esvaindo de mim. E então, começou a dormência, e eu achei que seria meu fim.

Dessa vez não daria para escapar.

Até que ouvi um estalo muito alto, e a viga quebrou. Eu desabei no chão, ofegante e assustado. Olhei para os lados, passando meus olhos por minha casa, absorvendo seus detalhes feios, sua desorganização, toda a sujeira, mas ainda assim pensando que... era minha casa.

Era meu lar, minha história, minha vida.

Olhei para cima, mirando a viga, e vi que estava completamente esburacada. Dei risada comigo mesmo.

Cupins.

Me lembrei com um pesar divertido que estava na rua naquele dia procurando por pesticida. Eu me levantei, e peguei o banco. Caminhei até o andar de baixo, peguei as chaves e abri a porta, em direção à rua.

Caminhei furiosamente até a loja, e deixei o banco lá. Me virei, ignorando as súplicas do fantasma que me conduzira ao suicídio.

Conforme eu andava, senti seus olhos pregados em minhas costas. Determinado, apressei o passo, abandonando para sempre aquele episódio horrível de minha vida. Entretanto, se eu tivesse olhado para trás, teria visto que a dona do banco sorria para mim, orgulhosa porque meu destino não fora igual ao seu.

Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora