- Aí, Marquin, se liga na caixa d'água – Sentiu a cutucada nas costelas e se virou rapidamente balbuciando algo incompreensível enquanto cuspia macarrão na camiseta de Flávio – Lá em cima. Tá vendo os urubus? Estão esquisitos hoje.
- Tão nada – Marcos encheu novamente a boca de macarrão, e continuou balbuciando – Eles sempre ficam ali – Engoliu em seco, parecendo quase ansioso pela próxima garfada.
- Pra onde que vai tanta comida, cara?
- Pra onde acha? – Colocou o prato de comida na mesa mais próxima e puxou a manga do braço direito, exibindo seu bíceps definido – Pros muques, mano! Claro que vai pros muques. Tenho a competição de levantamento semana que vem, lembra? Preciso bater, tipo, 3.500 calorias por dia!
- Honestamente, só processei 50% do que você falou. A única coisa que consigo pensar é que sinto muita pena da sua privada – Marcos deu um soquinho em seu ombro, e o garoto protestou indignado – Enfim cacete, os urubus estão estranhos. Normalmente eles só ficam rondando, mas hoje estão de fato chegando perto da caixa.
- São pássaros, mano. Por que eles fazem qualquer coisa? Instinto e padrão de comportamento. Algo pode ter mudado no meio-ambiente deles que os forçou a alterar esse padrão! Só relaxa aí – Sua voz foi abafada pelo barulho de raspagem do garfo contra o prato, mas ainda assim Flávio o observava com certo fascínio.
- Olhando essa porra que tu tá fazendo com o prato, às vezes até esqueço que de fato existe um cérebro aqui dentro – Deu uma cutucada com o indicador na têmpora do amigo, que retribuiu com um generoso dedo do meio – Vamos entrar, precisamos devolver o prato pras tias da cozinha antes que venham atrás da gente de novo.
- Você sabe que não foi culpa minha! – Flávio pegou o prato da mão de Marcos, o encarando com ceticismo – Qual é, não foi culpa minha não!
- Assim como não foi culpa minha roubar a caneta do cara da manutenção porque você esqueceu a sua, né?
Os garotos seguiram rindo e se provocando para dentro do pátio da escola. O local era normalmente pequeno e apertado, mas a ausência de alunos em um dia de reposição de aula lhes dava a impressão de ser bem maior.
Seguiram em direção à cantina, sem a comum dificuldade que era passar pelo mar de gente. Até dava pra ver como era um pátio relativamente bonito, com colunas enormes dispostas de alguns metros em alguns metros, paredes que intercalavam padrões de azul e amarelo e um palco gigante que era utilizado para apresentações e anúncios oficiais da escola, mas no momento servia como um espaço de lazer para alguns dos alunos mais folgados.
- Faltou gente pra caralho hoje, né não? – Flávio procurava rostos conhecidos pela multidão, mas não tinha ninguém.
- Até eu teria faltado se você não fosse um nerd desgraçado – Marcos colocou o prato no grande balde utilizado para pôr a louça suja, e pegou um cacho de bananas do outro balde onde ficava a "sobremesa". Puxou uma banana, e antes que pudesse comer a próxima, levou uma chicotada do pano de prato de uma das tias da cozinha. O garoto protestou, suplicante, mas devolveu o cacho, reconhecendo a derrota.
Flávio observou os grafites recém-feitos nos portões não utilizados do pátio, sentindo um conforto no coração em saber que aquela escola arcaica permitira algo tão ousado. Os desenhos eram lindos, coloridos, quase psicodélicos. Os conceitos eram simples, plantas, animais e insetos, nada muito abusado, mas a explosão de cores e a forma como cada figura se conectava o deixava impressionado.
- Bora no banheiro – Marcos começou a caminhar, e Flávio precisou trotar um pouco para alcançá-lo. Odiava que Marcos fosse tão alto, o que forçava Flávio a fazer um mínimo de exercício físico, coisa que odiava.
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Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]
HororVerdade seja dita, é muito difícil assustar ou chocar um brasileiro. Com tudo que vivemos na pele todos os dias, um demônio espreitando sua cama durante a noite é nada mais que um leve incômodo. Portanto, se está procurando por um livro de terror na...