O monstro do Rio São Francisco

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- Aí, qual o nome do lugar mesmo? – Daiana observou Mayara de soslaio enquanto ajustava o colete. Cada palavra que saía da boca daquela garota soava insolente.

- Gruta do Talhado – Respondeu pacientemente Seu Almiro, apertando de forma quase imperceptível o timão enquanto pilotava o pequeno barco. Daiana contemplou silenciosamente a serenidade do homem. Ele e o rio pareciam um.

- Cala a boca, Mayara. Chata pra caralho – Gabriel amassou uma nota de R$20 e jogou a bolinha na amiga, que desviou, deixando que caísse na água. Daiana encarou os dois, sentindo a raiva rastejar espinha acima.

- Calem a boca os dois. Deixem que Almiro faça seu trabalho em paz – Gabriel e Mayara fuzilaram Daiana com o olhar, e a menina retribuiu o desgosto nas expressões dos dois idiotas duas vezes pior.

- Tanto faz – Gabriel abaixou-se para calçar suas nadadeiras, enquanto Mayara continuou arrumando o próprio cabelo de frente para um espelho pequeno cheio de curvas e frufrus pintados no que Daiana imaginou que fosse uma espécie de cor vintage.  

Daiana revirou os olhos, e prosseguiu com a tarefa de ajustar seu colete. Aferiu seus medidores de profundidade e de ar, garantindo que não a deixariam na mão. Por mais experiente que fosse um mergulhador, qualquer erro poderia significar uma morte lenta e dolorosa.

- Mayara, o que você vai fazer com sua parte da grana? – Gabriel cutucou a amiga com sua nadadeira direita, tentando chamar sua atenção. A menina olhou para cima, e Daiana praticamente conseguia ver a fumaça saindo pelas orelhas da garota enquanto tentava colocar seus dois neurônios para funcionar.

- Ainda é uma boa investir no mercado imobiliário? – A garota virou-se para trás, jogando o cabelo para o lado com um sorriso debochado no rosto.

- Tanto quanto investir nas ações de empresas como Kodak e Blockbuster – Gabriel deu uma gargalhada alta, jogando a cabeça para trás. Como Daiana acabou com aqueles turistas riquinhos imbecis? – Eu, particularmente, vou investir em bitcoin. É o futuro, né não?

- Crianças, vocês são bem inocentes se acham que conseguirão voltar com o tesouro do Caboclo – Seu Almiro fez uma leve curva para a direita, espirrando um pouco de água que foi muito bem-vinda no rosto de Daiana. A gruta entrou no campo de visão da garota, em toda sua glória amarronzada. 

- Ah meu senhor, vai ser facinho achar esse tesouro – Gabriel arrumou a postura e estufou o peito enquanto pronunciava as palavras dignas de um linchamento na rua de Daiana. Seu Almiro riu alto e virou a cabeça para trás, encarando o garoto que o olhava como se fosse louco.

- Eu não disse que seria difícil achar o tesouro, rapaz. Eu disse que seria difícil voltar com ele.

Gabriel e Mayara se entreolharam, e explodiram em uma gargalhada extremamente desrespeitosa. Daiana apertou com força seu lastro* na cintura, irritada. Estava com uma vontade tentadora de acertar o tanque de ar de 15kg na cabeça daqueles dois babacas.

Daiana levantou-se, caminhou até Seu Almiro e sentou-se ao lado do homem.

- Esse dois não sabem o que dizem – disse Daiana depois de alguns instantes de silêncio. Seu Almiro riu com o comentário da menina.

- Tem razão, garota. Você não parece ser da laia deles. Você é daqui de Delmiro Gouveia?

- Isso. Não moro muito distante do rio, na verdade. Umas duas horas a pé, por aí – Daiana virou-se, observando o horizonte. A saudade de casa apertava seu peito a cada instante, e sua vontade era de dar meia volta e correr para seus pais, mas precisava estar ali. Precisava ajudar, precisava ser útil.

Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora