Quase um Lobisomem

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Chegou no local com expectativas altíssimas. Já estava cansado de se matar para caçar boatos que levavam a nada. Escaneou cuidadosamente a rua, observando-a atentamente, captando todos os que conseguisse. As casas eram todas de um andar, com uma cor padrão. Os postes eram velhos e de madeira. Algumas árvores davam certa cor para o local, embora a estrada de terra fizesse predominar o beje e o marrom.

190, 191, 192, 193, 194, 195...

196! O número da casa que tinha alugado pairava sobre um portão recentemente pintado com algumas manchas de ferrugem em vários pontos. Balançou os ombros, indiferente. Era o que tinha, não dava para reclamar. O importante era seguir o boato.

Vasculhou os bolsos em busca do molho de chaves. Contou de uma a uma até achar a chave esquisitamente grande. Posicionou na fechadura, girou e recuou com o rangido horrível que saiu daquela porcaria.

"Lar doce lar", disse para si mesmo.

Entrou, inspecionando cada canto da garagem. Parecia um bom local para uma tocaia, com uma visão ampla do lado de fora, graças ao portão que não tampava nada. Subiu a escada e andou pelo corredor. Passou o dedo na parede, nada surpreso com a quantidade imensurável de pó que coletou.

Limpou na calça, e foi para a porta que levava para o lado de dentro da casa. Novamente contou uma a uma as chaves até achar a que se encaixaria. Abriu a porta e entrou, tossindo devido à poeira. Se dirigiu diretamente para o quarto, a fim de se livrar da mochila que estava carregando. Colocou-a em um canto do quarto, procurou uma tomada e colocou o celular para carregar. Tirou o pó das calças com algumas batidinhas, vasculhou a mochila atrás de papel e caneta, e foi para a rua conhecer seus vizinhos.

Encarou a primeira porta, ansioso. Passou a mão no aço, sentindo-o áspero. Se preparou mentalmente, e deu três toquinhos. A porta se abriu, e ele precisou olhar bem para baixo a fim de enxergar a senhorinha. "Sim, meu jovem?", perguntou ajeitando os óculos maiores que sua cara com o dedo do meio.

Sorriu com o canto da boca, mudando o peso do pé direito para o esquerdo. "Bom dia. Eu sou o Jonatas, acabei de me mudar para a casa ao lado, o 196. Só queria me apresentar e fazer algumas amizades pela vizinhança, sabe?"

A velha sorriu, enviando calafrios pela espinha do rapaz. "Sei sim, querido". Ele sorriu de volta, desconfortável. Disse que continuaria batendo às portas, e se despediu.

Bateu, de porta em porta, conhecendo todas as poucas pessoas que moravam no local, e quando chegou na última, que era seu vizinho de frente, um velho o atendeu. O senhor precisou abaixar-se para passar pela porta e cumprimentá-lo. Seu nome era José Airton, mas o senhor insistiu que o garoto o chamasse de Seu Zé.

Conforme conversavam, ele coçava incansavelmente os cabelos emaranhados. Depois de se despedirem, o rapaz apertou a mão do velho, e se forçou para não recuar quando percebeu que até isso era peludo nele. Caminhou até a rua, incrédulo. Era o mais perto que tinha chegado em anos. Ao menos, de acordo com as lendas... 

Com ânimo renovado, decidiu dar uma rápida passada na vendinha que ficava no início da rua, para comprar comida e alguns itens de higiene.

Assim que chegou de frente para a modesta construção, abriu a porta do local, esperando encontrar o interior sujo e medonho de um porão norte-americano. Entretanto, foi surpreendido por um sininho enferrujado que anunciou sua chegada.

A vendinha por dentro era surpreendentemente limpa e organizada. O chão brilhava de tão branco, e o ar tinha um aroma adocicado de tangerina. Caminhou alguns passos, e uma moça com não mais que 16 anos apareceu de trás de uma prateleira, limpando as mãos com um pano.

Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora