Os fantasmas que me assombram

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11 de fevereiro de 2019,

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Lúcia

Lúcia odiava multidões. Eram caóticas, forçavam-na a absorver tanta energia de uma vez que era impossível não se sentir sobrecarregada no final do dia. Portanto, todos os intervalos da escola eram um inferno; cheios de vultos movendo-se de forma desordenada, descarregando suas frustrações para cima uns dos outros como chimpanzés atirando fezes nos turistas em um zoológico.

Marinando em sua própria confusão, um brilho captou a atenção dela. Assustada, recuou contra a parede na qual estava encostada como se pudesse atravessá-la. Um garoto estava de pé em sua frente, com as mãos para trás e olhos de piche curiosos que a encaravam como se fosse a coisa mais fascinante naquele lugar.

A cabeça estava pendida para o lado direito, seus cabelos loiros caindo pelo ombro. "Eu nunca te vi aqui", ele disse. "E daí?", ela respondeu. Ao notar sua defensiva, ele sentou-se no chão, de frente para ela. Aquele garoto era realmente estranho.

Ele abriu os braços e balançou as mãos. "Vê? Inofensivo", ele disse, como se aquilo provasse alguma coisa. "É só que... Você parece diferente. À parte dessa bagunça toda, entende?"

Curiosamente, ela entendia sim. Convivia com aquele peso de enxergar além do comum há tantos anos, que quando surgia alguém que era completamente fora dos padrões, era difícil se segurar para não se aproximar.

Mas ela precisava fazer isso. Precisava estar isolada. Não pelo bem dela, mas pelo deles.

"É, eu entendo, mas não estou interessada. Se puder fazer o favor, estou ocupada", ela respondeu, dando um basta naquilo. Ele se levantou, ainda a encarando. "Você realmente é interessante", ele concluiu, como se fosse uma descoberta milagrosa.

"O quê? Quer um prêmio por isso?" ela respondeu, olhando para o garoto com raiva. Ele sorriu meigamente, deixando-a mais nervosa ainda. "Até amanhã", ele disse, dando tchau com a mão, e começou a caminhar em direção às escadas que davam para as salas de aula. Poucos segundos depois, o sinal tocou.

Distraída com o barulho, perdeu o menino de vista. Tentou se levantar, mas cometeu o erro de olhar os arredores. A multidão passando pelo pátio deixou-a tonta com tanta informação, e perdeu a noção de espaço por alguns segundos. Por mais que tentasse se convencer de que eram apenas pessoas, sabia que não tinha como enganar a si mesma. Irritada, notou que a conversa com aquele menino esquisito tinha a distraído de toda aquela merda.

Coisa que nunca tinha acontecido antes.

Assim que pôs a bolsa na cadeira e virou-se, um vulto a assustou. Mas, ao invés do usual preto absoluto, ela notou o contraste do negro de seus olhos com o dourado dos cabelos. "Bom dia", o menino disse, alegre. "Que que é?", ela respondeu, irritada. "Nada. É que ontem eu disse 'até amanhã', portanto, tinha me referido ao agora."

"Tá cedo demais pra esses papos, cara", ela respondeu para o menino esquisito, bocejando alto. Ele deu um peteleco em sua testa, assustando-a. "Que porra, mano?", reclamou meio alto demais.

"É que dizem que você tem que dar um peteleco na testa da pessoa quando ela boceja, para que não seja afetado pelo bocejo", ele respondeu. Ela o encarou, incrédula pela cara de pau e impressionada pela coragem. Ele sorriu, virou-se e caminhou para a própria carteira. Ela sentou-se, virando para a frente e assistiu a aula daquele dia, sentindo-se incrédula o período inteiro.

"Quem é que diz isso?", ela perguntou. "Quem diz o quê?", ele perguntou de volta, erguendo os olhos do gibi. "Aquela besteira sobre bocejos, seu animal", respondeu cruzando os braços.

Contos Embaixo da Cama [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora