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"A arte de dizer não, é a falta de dizer sim."
Voltar para a escola é estranho, voltar para o último ano sendo repetente é estranho e ainda mais estranho, é voltar para a escola no meio do ano. A coisa boa disso?
A parte boa é que aqui que eu recomeço. É aqui que as pessoas não tem ideia do meu passado e eu poderei ser feliz, vivendo uma vida plena. Sem medos e insegurança.
Saio da bicicleta com calma e amarro meu casaco na cintura, percebo que algumas pessoas me encaram e meus olhos avistam a placa "Escola quileute". Passo a tranca no meu automóvel de duas rodas e vou dando passos rápidos para dentro da escola.
— Flora Ridher?— Um homem alto, musculoso e bronzeado pergunta com curiosidade e desconfiança.
— Sou eu mesma, como vai?— Respondo animada e logo emendo mais uma pergunta.— Sabe me dizer pra que lado é a aula de espanhol avançado?
— Eu sou o Jared, minha namorada estava encarregada de ser sua guia, mas ela teve um imprevisto hoje.— Ele diz e eu o cumprimento com um murmuro.— A sala de espanhol avançado é por aqui.
— Obrigada.— Eu agradeço, seguindo o colega pelo corredor amontoado de pessoas.
No final do corredor, o garoto para e bate da porta rapidamente.
— É a sua sala e... Como você é nova, eu vou te dar um conselho. Não ande na floresta, os protetores são muito territoriais.— Jared diz, deixando-me curiosa por um breve segundo.
— Quem são os protetores da floresta?— Pergunto.
— Os lobos.— O professor responde, me fazendo reparar que a porta já se encontrava aberta.— Já entendemos, índio do Paraguai. Agora vá para sua sala, já deixou a novata atrasada o suficiente.
— O senhor quem manda.— O cor de bronze responde, sumindo no corredor.
— Senhorita Ridher, irá entrar em vossa aula?— O professor pergunta, me fazendo concordar consigo e entrar na sala acanhada.— Bem vinda a aula avançada de espanhol, deixei um lugar reservado pra você alí atrás.
— Eai, eu sou o Quill.— O garoto sentado na classe ao lado da indicada para mim, me cumprimenta.
— Eu sou a Flora.— O cumprimento em voz baixa.
— É recente?— Ele me pergunta, com o olhar perdido em meu pescoço.
— O que? A tatuagem?— Pergunto, recebendo sua confirmação.— Fiz quando completei dezenove anos.
— Deus do céu, quantos anos você tem?— Ele pergunta em meio um riso.
— Vinte e dois.— Respondo a ele.— Não quis fazer o provão para completar o ensino médio e acabei aqui.
— Prestem atenção e siga as normas da ABNT, quero o trabalho em slides e em dupla com o colega do lado. Me entreguem no último período de amanhã. Mínimo de três páginas, quero tudo em espanhol. Pesquisem sobre lendas de países que tenha o espanhol como língua mãe.— O professor fala, anotando algumas informações na lousa.— Repetindo é pra amanhã no último período.
— Podemos fazer o trabalho na minha casa?— Quill pergunta, me fazendo concordar de imediato enquanto anoto as informações da lousa para o meu caderno.— Ótimo, você pode almoçar por lá. Peço pra Emilly por um prato á mais.
— Onde você mora? Eu estou de bicicleta. Se não for longe eu almoço em casa e passo na sua depois pra fazermos o trabalho.— Explico.
— É perto da praia. Em La Push, aqui mesmo na reserva.— Ele diz, me fazendo pensar por um breve tempo.— Podemos pôr sua bicicleta na caçamba da minha caminhonete.
— Tudo bem.
.
Sete períodos de aula depois, eu me encontro encolhida dentro do meu casaco, caminhando em direção a saída. Já do lado de fora da escola, vejo Quill entrando em uma caminhonete azul, no tempo em que eu ia e direção a minha bicicleta. Já com a mimosa em mãos, olho para os lados, reparando nos pequenos detalhes da escola. Sinto minha respiração falhar quando um par de olhos castanhos me deixa em êxtase.
— Ela é tão bonita.— Sussurro, comentando para mim mesma. A pele em tom bronze, cabelos castanhos escuros de tamanho médio, olhos castanhos levemente puxados, um corpo curvilíneo e uma face séria. Deus, como eu gostaria que aquela mulher fizesse meu rosto de assento.
Perco seus olhos em meio a multidão de alunos quando Quill estaciona em minha frente. Ignorando a ajuda do mais alto, que havia acabado de descer da caminhonete, eu ponho a bicicleta sobre o baú aberto do automóvel e sento-me no banco de carona. Saindo do estacionamento da escola, eu vejo pela última vez aqueles olhos castanhos e brilhantes.
— Você é bem forte, faz academia?— Quill pergunta, com o carro já em movimento.
— Na verdade eu não faço academia a muito tempo.— Respondo, perdendo o olhar na floresta que nos cercava.
Com os pensamentos altos e os olhos no verde da floresta, me mantenho em silêncio. Lembro-me dos primeiros assédios ao completar a transição e por mais que eu não tivesse o mesmo que as já nascidas mulheres, eu era uma mulher e me sentia como uma. Lembrar que um dia já fui um homem, me fazia sentir-me suja. Os homens eram e são nojentos, possessivos e maus. As mulheres se obrigam a atravessar a rua para não passar pelos homens na mesma calçada. Nos mulheres nos privamos de usar roupas curtas, decotadas e coladas. E, principalmente, no mulheres sofremos pelo simples fato de sermos mulheres.
Como uma trasfeminina negra e lésbica, eu passava pelo racismo, pela homofobia e o machismo. Mas isso só me fazia mais forte, porque no tempo em que me diminuíam, eu me tornava mais forte.