Capítulo II : A T E R R A D A G A R O A

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Você escolheu : opção 2 "Gusta avisa o pai que vai passar um tempo na casa do primo (Léo)." Essa escolha terá consequências.


Gusta ensaiou pelo menos quinze vezes o que iria falar naquela terça-feira. A passagem já estava comprada, a mala arrumada, escondida embaixo da cama, o dinheiro da poupança todo passado pra conta corrente. Não havia a possibilidade de Marcos impedi-lo de ir, porém, isso não evitava que suas mãos tremessem em frente ao espelho depois do banho. Passou os dedos frios pela testa e deixou que escorressem pelo pescoço pela milionésima vez antes de seguir para o quarto do pai, onde a novela das nove soava alta no chiado da TV.

- Pai?

- Fala direito Gustavo, engrossa essa voz.

Respirou fundo e voltou a falar.

- Quero falar uma parada com o senhor.

- Ixi, ficou sério do nada... – O homem riu, coçando a barriga desnuda e diminuindo o volume da televisão, que ainda estava alta demais, obrigando Gustavo, agora num timbre que ele julgava mais firme, continuar.

- Eu vou visitar o Léo por uns tempos.

- Como assim, por uns tempos?

- Uns meses.

- E a mãe dele sabe disso?

- Pai, a gente não tem mais doze anos, o Léo é adulto, mora sozinho e...

- E aí você se convida assim pra morar na casa dele? – Marcos ria, debochado - Que besteira, Gustavo.

- Eu não me convidei, ele me convidou – Gustavo plantou os pés no chão – e eu vou. Já comprei a passagem. Tô indo amanhã.

- Moleque, para de...

- Se o senhor quiser me levar bem, se não, eu pego um Uber – finalizou e saiu do quarto com as pernas trêmulas e a respiração ofegante, tamanha a adrenalina que tomava seu corpo.

Naquela noite, não houve assunto nenhum na casa, Gustavo não saiu mais do quarto e se preparou para acordar cedo no dia seguinte e pegar um Uber antes do sol nascer. Escreveu um bilhete para suas irmãs, mas desistiu, rasurando o papel e jogando-o no lixo. Tinha uma sensação ruim de se despedir delas. Preferiu ligar de lá, passava uma impressão menos mórbida.

Na manhã seguinte, diferente do que pensou, foi acordado com batidas na porta e não pelo despertador. Pulou da cama assustado. Ele havia perdido o horário?

-Levanta Moleque, não vai perder o voo...

Ainda confuso e um pouco cambaleante, Gustavo se dirigiu para o banheiro do corredor e, assim que recuperou um pouco mais da consciência e do bom hálito, apareceu na sala confuso.

-...Bom dia

- Dia. Eu e suas irmãs vamos te levar pro troço lá.

- Pro aeroporto.

- Isso, é... – Marcos pigarreou.

Carla, a mais velha, sorriu para ele discretamente da ponta esquerda da mesa e Gusta retribuiu com um sorriso quase aliviado, que ficou em seu rosto por todo o caminho até o aeroporto Santos Dumont.

Quando o avião já estava no ar, Gusta encarava a poltrona da frente. Era tempo demais para um cochilo, e pouquíssimo tempo para um sono revigorante. No fone de ouvido, CPM 22 explodia com Um Minuto para o fim do mundo. As mãos do rapaz, grudadas no apoio da poltrona, batucavam um ritmo monótono. Fazia pouco tempo que as nuvens ocupavam a janela semiaberta do lado esquerdo, mas, para Gusta, parecia uma eternidade. Tentou respirar fundo, mas o ar pouco refrescou os pulmões. Uma vida nova, uma vida nova, não parecia possível.

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