Bucky

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Já havia sido difícil escrever sobre o passado em Sokovia e agora o Dr. Stranger pede para que eu escreva sobre minha vida atual, sobre a situação do meu casamento. Ele deveria saber que coisas desse tipo, escrita, não são o meu forte, é muito difícil, me expresso de outras formas, tocando piano ou atir...
- Justamente por isso. - Ele me disse, o Dr. acha que tenho várias coisas que me perturbam, muita merda reprimida, coisas sobre as quais evito pensar, que me recuso a lidar e muitas vezes, segundo ele, a único maneira de colocar tudo pra fora seria um diário.
- Deixa isso pra lá, doutor. - Brinquei. - Quando a música não é o suficiente, o saco de pancadas muitas vezes resolve os meus problemas.
O Dr. não esboçou nenhuma resposta é bem, cá estou eu. Não sabia por onde começar, então resolvi telefonar pra ele e dizer que a terapia não estava funcionando e agradecê-lo mesmo assim, estava prestes a desligar e fingir que nada aconteceu, mas o filha da puta insistente apenas falou:
- Relaxa, James. Isso é apenas um desabafo entre você e você mesmo. - E mais uma vez me lembrou que não havia respostas certas ou erradas, sugeriu que eu começasse falando sobre a noite anterior e acrescentou: - Escreva apenas sobre o que você se lembra, o resto virá depois.
Um pouco relutante acabei aceitando, faria outra tentativa. Então vamos lá, ontem a noite. Encostei o carro na garagem de casa e permanecei ali por um tempo, ouvindo o barulho do motor enquanto tentava me recompor. O dia havia sido longo e o mundo que eu acabara de deixar estava a anos-luz daquele que me esperava atrás daquela porta, quatro anos era tempo demais. As coisas mudaram, as pessoas mudaram, ou talvez... Talvez tudo tenha desbotado como uma folha de jornal esquecida no sol. "Melhor entrar" pensei, o ouvido de Lizzie era apurado, com certeza já sabia que eu já havia chegado. Se eu demorasse mais um pouco, ela apareceria em poucos segundos para ver o que tinha acontecido. Soltei o sinto de segurança e... "Merda! Cadê a aliança?", vasculhei todos os bolsos e lá estava ela no sobretudo. Coloquei de volta no anular esquerdo e me olhei no retrovisor, "fica esperto, otário." Mas que porra era aquela? Uma mancha vermelha no colarinho, se Lizzie visse aquilo ficaria furiosa, esfrego a mancha mas ela continua intacta, o único jeito foi esconder o colarinho sob a gola do sobretudo. Entrei correndo, jogando a chave em um vaso no hall de entrada, perguntei mais uma vez a eu mesmo, por que ficava tão tenso sempre que entrava por aquela porta? Lizzie aparece do nada.
- Chegou bem na hora. - Ela disse com um sorriso, como se esperasse por algo. "Ah sim, a manteiga! Graças a Deus não esqueci." Caso contrário, seria um sermão interminável, em um gesto rápido, tiro o pote do bolso.
- Você pede manteiga? Eu trago manteiga. - Eu disse.
- Como foi seu dia? - Ela perguntou ao pegar o pote.
- O mesmo de sempre. - Respondi, encolhendo os ombros, ela repetiu meu gesto e hesitou um pouco, baixei o rosto para lhe dar o beijo protocolar, péssima ideia, ela me repeliu, provavelmente sentindo o cheiro do álcool em meu hálito.
- Parei pra tomar alguma coisa com Steve. - Falei calmamente, Lizzie assentiu com a cabeça, mal escondendo sua reprovação e tenho certeza que não pude esconder a minha também. Ela sempre implicava comigo por conta da bebida, mas havia algo a mais, ela olhava para a manteiga como se fosse uma espécie de bicho venenoso.
- Está manteiga tem sal! - Reclamou, levantando o pote para que eu visse melhor.
- E existe manteiga de outro jeito? - Disse depois de ver com todas as letras a palavra "COM SAL" no pote.
- Existe, manteiga sem sal. - Ela respondeu ainda me encarnado. - Como eu havia pedido.
Eu me mordia por dentro, por que ela insistia em pedir esses favores, sabendo que eu nunca conseguia realizá-los da forma dela? Agia como uma rainha que ordenava a seu pobre cavaleiro realizar uma façanha impossível. Tentei me desculpar, mas ela me interrompeu fazendo um gesto com as mãos.
- Tudo bem, eu... Eu dou um jeito. - "Porra, será esse seu maior problema hoje?", pensei. Por sorte ela mudou de assunto.
- Comprei cortinas novas para a sala de jantar. - Falou com entusiasmo.
- Comprou?
- Comprei. - Depois me levou a sala, perfeitamente decorada, mostrando as cortinas marsala jogadas sobre o sofá, eram enormes e não combinavam com nada ao redor. - Tive que enfrentar uma pequena luta com uma mulher para consegui-las, mas acabei vencendo.
- Claro que sim. - Ela sempre vencia.
Então comecei a pensar, com essas cortinas novas com nenhuma estampa, talvez seja necessário trocar o estofado dos sofás, um xadrez, nada muito gritante e nem florais, algo mais claro que as cortinas, o que significa que vamos ter que trocar o tapete persa por outro mais escuro, eu já não aguentava mais aquilo e pressentia uma dor de cabeça. Então era isso, compramos cortinas das quais não havia necessidade e teríamos que trocar os estofados, para combinar com o tapete que não precisaria ser trocado se não fosse por aquelas malditas cortinas.
- Querida... - Comecei. - E se ficássemos com as cortinas velhas?
Lizzie levantou os olhos e franziu o cenho, demorou uma eternidade para perceber que falava com as paredes sobre um assunto que me irritava profundamente.
- O que? A gente conversou sobre isso, lembra?
- Lembro. - Respondo. - Lembro muito bem que decidimos esperar mais um pouco. - Diante da expressão de desânimo dela, não me restou outra coisa a fazer a não ser respirar fundo. Fim da encenação: minha alegre volta ao lar já havia irremediavelmente desandado, Lizzie alisou as cortinas como se estivessem vincadas, mesmo não tento vinco nenhum.
- Se não gostou delas, posso devolvê-las...
- Eu não gostei delas.
- Então é melhor ir se acostumando com elas! - Seguiu um longo silêncio, como deixamos as coisas chegarem a esse ponto novamente? Já não restava a menor esperança de uma noite agradável e isso era tudo o que eu queria novamente.
- Eu que vou regar as...
- Preciso preparar o... - Por sorte nos deixamos escapar.
No jardim, liguei a água da mangueira e comecei a regar os canteiros de rosas perto da garagem, não que eles precisassem de água, mas eu precisava regá-los. Gostava do barulho da água, de alguma forma aquilo me aliviava, me fazia lembrar do mar. Vi uma bola de basquete jogado no meio das rosas, seria minha antiga bola ou aquela havia sido esquecida por algum garoto da vizinhança? Puxa, fazia séculos que eu não jogava bola, basquete ou qualquer outro esporte pra lazer. Por impulso, firmei a bola entre meus dedos e fiz um arremesso ainda de costas em direção ao cesto na parede da garagem, depois me voltei para as rosas. Dez metros atrás de mim, ouço a bola a bola cantar enquanto girava no aro, eu era capaz de arremessar uma bola direto na cesta sem ao menos olhar, mas esse casamento... Estava cada vez mais difícil, até mesmo de tentar.

Sr. e Sra. Barnes Onde histórias criam vida. Descubra agora