Elizabeth
Fachos de laser verdes e vermelhos entrecruzavam-se acima de nossas cabeças como um espetáculo de Natal mas de natalinos não tinham rigorosamente nada. Wham! a porta da frente se abriu com estrépito, e um número incerto de vultos atravessou a soleira em direção ao interior da casa sem ao menos limpar os pés. Bucky e eu corremos para as portas que davam para o quintal, mas as vidraças se estilhaçaram bem diante do nosso nariz. Mais vultos, dessa vez entrando pelos fundos. Estávamos cercados. Pior, estávamos cercados e desarmados.
- Vem comigo - Bucky sussurrou, puxando-me pela mão. - Vamos descer as escadas! - calei-o com um dedo sobre os lábios e depois, utilizando o código manual das forças especiais da Marinha(libras), sinalizei:
- Não.Armadilha. Ruim.
- Sim - ele sinalizou de volta. - Ouvir. Eu.
Descer. Escadas.
- Não. Idiota. Pensar - retruquei. Bucky seguiu para as escadas do porão, arrastando-me atrás dele. de repente me lembrei:
- Espera. Armas. Minhas. Cozinha.
- Não - Bucky sinalizou. - Lá. Perigo.
Calar. Boca. Ouvir. Eu. Uma. Vez. - olhei para ele com cara de poucos amigos e ele olhou para mim do mesmíssimo jeito.
- Não. Você. Calar. Seguir. Eu. Vá se foder! - Esse sinal provavelmente não estava incluído no manual da Marinha, mas Bucky certamente entendeu o recado. Nesse instante ouvimos passos na nossa direção, não dava para continuar discutindo. Chegando à porta do porão, descemos as escadas às pressas, Bucky empurrando-me por trás. O lugar estava escuro e um pouco bolorento, mas muito bem arrumado. Mérito meu, é claro. Caixas e mais caixas cobriam as paredes, todas devidamente fechadas, empilhadas e organizadas em ordem alfabética. Um exagero, vá lá, mas naquelas circunstâncias um pouco de ordem talvez pudesse salvar a nossa pele. Rapidamente passei os olhos pelas etiquetas: anuários da universidade, enfeites de Natal, revistas gourmet...puxei uma das caixas do alto e rasguei a dobradura da tampa. Ali encontrei uma pilha de camisas e shorts sociais, velhos, porém cuidadosamente dobradas. Nada de muito chique ou moderno, mas qualquer coisa seria melhor que o estado de seminudez em que nos encontrávamos. Ali tivemos a primeira oportunidade para recuperar o fôlego e tentar descobrir que diabos estava acontecendo.
- Os caras não confiam nem um pouquinho na gente. - disse Bucky enquanto abotoava minha camisa com agilidade. - Será que não podiam ter esperado ao menos um dia?
- Saímos do controle deles - eu disse, pelejando para abotoar a camisa nele. - Então mandaram essa gente atrás de nós. - Bucky localizou uma caixa de trenzinhos de brinquedo, depositou-a a seus pés e rasgou o papelão. De dentro tirou duas armas, uma grande e uma pequena. tomou a grande para si e me passou a outra. Com as mãos plantadas na cintura, reclamei:
- A pequena pra mim, só porque sou mulher?
- Shhh!
- Mas... - Bucky jogou a arma grande nas minhas mãos apenas para me calar. Depois apontou na direção do teto, passos no andar de cima e então, antes que pudéssemos fazer qualquer coisa... Bam! Bam! Bam! alguém abriu fogo contra a porta do porão, arrancando-a das dobradiças. Uma silhueta escura postou-se no alto das escadas.
- Boa viagem, pombinhos! - disse uma voz masculina. Em seguida, deixou cair alguma coisa e saiu, dois objetos pequenos rolaram escadaria abaixo até o chão. Essa não! Duas granadas, uma rosa e outra azul! Sem tempo para raciocinar, Bucky simplesmente chutou as granadas para longe. Pareciam de brinquedo, mas obviamente não eram. rolaram pelo chão e por fim se alojaram sob o aquecedor de água.
Bucky olhou para mim como se quisesse dizer: "Opa, eu achei que..." e eu olhei para ele dizendo claramente: "Eu falei que o porão era uma má ideia, não falei?". Estávamos presos ali, com duas granadas prestes a explodir sob o aquecedor. Apenas uma opção: Bucky agarrou minha mão e me puxou até a porta que dava para o jardim. Fechada a cadeado. Agora foi minha vez de dizer: "Opa, eu achei que...
- Mas quem trancou isso aqui? - disse Bucky. Eu tinha trancado, na noite anterior, quando tentava mantê-lo fora da casa. Recuando um pouco, Bucky mirou sua arma e atirou no cadeado, fazendo com que a porta abrisse de repente. Segundos antes de... as duas granadas explodiram o aquecedor e o porão inteiro com ele. A força da explosão nos lançou para o alto, arremessando-nos porta afora como dois projéteis cuspidos da boca de um canhão, o fogo lambendo a sola das nossas botas. Então saímos em disparada, correndo, saltando, nadando.
Fazendo tudo o que fosse preciso para ficarmos o mais longe possível dali, até que fomos forçados a parar para descansar. Tossindo e arquejando, olhamos de volta para nossa casa. O fogo havia se espalhado para todos os outros cómodos, um dragão voraz destruindo todos os nossos segredos, todas as nossas mentiras. Com um ribombo parecido com o que se ouve nos terremotos, a casa começou a balançar a partir dos alicerces até desmoronar por inteiro, reduzindo-se a um poço de brasa e fumaça.
Abraçados um ao outro, assistimos boquiabertos à destruição daquilo que poderia ser a corporificação das nossas vidas antigas, nossa casa já não existia mais. Então vimos algo impossível.
- Sacana, filha de uma puta! - Bucky sussurrou. Eu não conseguia fazer outra coisa senão olhar. A silhueta escura, o vulto no topo das escadas do porão, surgiu incólume dos escombros flamejantes e agora vinha direto na nossa direção. aparentemente era imbatível.
"Minha nossa, cai fora daqui!", minha mente condicionada ordenou. Virei-me para Bucky e disse:
- Precisamos de um carro! - olhamos um para o outro.
- Os Starks! - ele disse. Corremos até a cerca que simbolizava a nossa boa vizinhança. Saltei com um único pulo, ao passo que Bucky precisou escalar. Seguimos direto para a garagem e demos uma rápida espiada para dentro: tudo em paz e a minivan dos Starks estava pedindo para ser levada. O melhor de tudo é que eles tinham entrado de ré na garagem, tudo o que teríamos de fazer era entrar no carro e arrancar. Mais fácil impossível. Voamos para cima da van, Bucky abriu a porta do lado do motorista e logo em seguida notou algo jogado numa bancada lateral da garagem.
- Olha só pra isso... fazem seis meses que o cara está com as minhas pinças de churrasco! - fulo da vida mas sem condições de fazer muita coisa a respeito, Bucky pulou para dentro do carro e destravou a porta do passageiro para que eu entrasse. Tão logo me acomodei no banco, ele começou a trabalhar na ligação direta dos cabos. Poxa, eu não sabia que Bucky era capaz de fazer esse tipo de coisa, fiquei imaginando o que mais desconhecíamos a respeito um do outro.
- Bucky... - ele resmungou qualquer coisa, concentrado no que fazia, fiquei na dúvida se devia mesmo contar a ele, já havíamos botado às claras todas as mentiras mais importantes, uma mentirinha a mais talvez não fizesse muita diferença. Minha vontade era limpar toda a sujeira do passado e recomeçar do zero, sem nenhuma informação escondida debaixo do tapete. Talvez fossem as chamas do inferno que havíamos acabado de atravessar ou a possibilidade de morrermos juntos dali a cinco minutos que me levaram a confessar:
- Eu nunca trabalhei como voluntária para o Peace Corps.
- Ah - ele levantou a cabeça e olhou para mim, surpreso.
- Poxa... que pena... isso era uma das coisas que eu realmente admirava em você. - Eu sabia. Trazer à tona as pequenas mentiras não tinha sido uma boa ideia.
- Todo mundo conta uma mentirinha de vez em quando, não conta? - falei. Bucky concordou de pronto.
- Falando nisso. Nunca conclui MIT, sou formado pela Universidade de Juilliard, Economia. - Bucky disse isso sem levantar a cabeça, escondido sob o painel do carro, como se tivesse revelado uma trivialidade.
- Você se formou em Economia?
- Sim, sempre gostei - ele enfatizou. - Um curso bastante respeitado. - virei o rosto e olhei pela janela. Diplomas, experiências, cores favoritas, filmes prediletos... havia tantas oportunidades de mentira num casamento! Que fim teria aquilo? Afinal, havia alguma verdade, por menor que fosse, no nosso casamento? Quando dei por mim, eu olhava para as entradas que começavam a se formar na testa dele. Vi quando ele olhou furtivamente para os meus seios. Mas todas aquelas perguntas permaneceriam sem resposta se não conseguíssemos sair rápido daquela garagem. Bucky xingava baixinho cada vez que o carro roncava mas não dava partida.
Talvez fosse um sinal.
- Você olhou atrás das viseiras? - perguntei e Bucky olhou para mim com aquele ar de superioridade.
- Ninguém seria tão inocente assim - respondeu.
- Bucky..
- Lizzieee! - ele retrucou em tom de brincadeira. Fiquei impaciente. Estávamos correndo contra o tempo, não tínhamos um segundo a perder. Como quem não quer nada, estiquei o braço até a viseira acima do volante e puxei-a para baixo. As chaves do carro caíram sobre o colo de Bucky, tive apenas alguns segundos para dar aquele olhar de "eu te disse", quando ouvimos um barulho. Olhamos um para o outro e conferimos nossas armas. Bucky acionou o controle remoto da garagem. Quando a porta se levantou à nossa frente, vimos um dos nossos algozes correndo em direção à rampa. Aproveitando a luz dos faróis, ele renovava a munição da pistola automática. Inclinei-me para a frente para ver melhor, quem eram aqueles monstros que nos perseguiam como um bando de mortos-vivos? Analisando a aparência do zumbi: paletó e gravata, cabelos cuidadosamente penteados, rostinho de bebê. Achei que parecia um vendedor de bíblias.
- Muito esquisito... - murmurei.
- Os malucos estão cada vez mais jovens - disse Bucky. Depois girou a chave e fez rugir o motor da van, assim que zarpamos da garagem, Bucky levantou sua arma e disparou dois tiros precisos. O assassino foi ao chão. Bucky parou ao lado do homem e recolheu sua arma.
- Pé na tábua! - eu gritei.
- Não fale com o papai quando ele está dirigindo. - disse Bucky entre dentes. Em seguida, contornou como um louco a caixa de correio dos Starks. Bang! Bang! Bang! as janelas traseiras da van ficaram crivadas de balas mas Bucky deu uma guinada bem a tempo! O estrépito dos disparos ficava cada vez menos audível à medida que avançávamos na direção do sol nascente. Não dissemos uma só palavra antes de alcançarmos a rodovia interestadual e de repente tudo ficou calmo. Calmo demais.
Bucky ligou o rádio em uma estação de soft rock, certamente a preferida dos Starks, revivia o som dos anos 1980 com uma canção do Air Supply, a açucarada "Making Love out of Nothing at AU".
De dar arrepios. Já estava pronta para trocar de estação quando percebi algo muito estranho.
Bucky cantarolava baixinho a melodia. Viu que eu prestava atenção e começou a cantar cada vez mais alto, mais alto, até que começou a berrar como um daqueles malucos do Quanto mais idiota melhor. A essa altura eu já estava completamente revirada no assento, quase em estado de choque, quem poderia imaginar que o chiquérrimo idiota campeã de lutas curtisse megabandas dos anos 80? Mais um segredinho que ele havia escondido de mim durante aqueles anos todos. Quando estiquei o braço para mudar de estação, Bucky agarrou meu pulso antes que eu alcançasse o botão.
- Ei, eu gosto dessa música - ele disse, em um tom de voz ríspido e frio. - Fica na sua. - e aumentou o volume, cruzei os braços e virei o rosto para a janela mas depois de um tempo... detesto admitir isso, comecei a balançar a cabeça ao ritmo da música.
- Baile de formatura do primeiro grau - falei baixinho. - A última dança... - cantarolei um trecho da música e depois continuamos em silêncio, Bucky e eu. Dois matadores mortos de frios ouvindo um roquezinho mofado em uma minivan com as janelas traseiras estilhaçadas, mas notei que algo se passava na cabeça de Bucky. Eu conhecia muito bem aqueles lábios crispados. Alguma espécie de confissão ou queixa se formava em sua mente, algo que ele não teria forças para reprimir. Bucky estava prestes a explodir, disso eu tinha certeza e então ele disse:
- Nunca gostei da sua torta de morango!
- O quê?
- Da sua torta de morango- ele repetiu. - Nunca gostei dela. - então me afundei no assento e cruzei os braços. Agora ele tinha ido longe demais mas tudo bem, para essa eu tinha um troco à altura.
- Não tem problema - eu disse, sem me alterar. - A torta não era minha. - então foi a vez dele de arregalar os olhos.
- Como assim?
- Torta congelada de supermercado - revelei. - Cinco dólares e noventa e nove centavos, três minutos no microondas. - Bucky ficou boquiaberto.
- Uau! - exclamou. - Um mar de mentiras! - Mas antes que pudéssemos prosseguir naquele campeonato de revelações, Bucky percebeu algo pelo retrovisor.
- Merda, tem alguém atrás de nós. - as outras confissões teriam de esperar.
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Sr. e Sra. Barnes
AcciónBucky e Elizabeth Barnes aparentemente parecem formar um casal normal, mas na realidade ambos mantêm um segredo. Os dois são assassinos de aluguel contratados por empresas rivais. A verdade só vem à tona quando Bucky e Lizzie, sem saber, recebem uma...