Segunda consulta Sr. Barnes

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Terapeuta

O Sr. Barnes entra e se senta na poltrona, se desculpando pelo atrasado, mesmo não estando atrasado. Ele aparenta cansaço, confiro minhas anotações anteriores: O Sr. Barnes tem uma transportadora, empresa grande que atende todo o estado, trabalha muito, realiza algumas viagens, sem filhos, uma vida agitada. Mas seu cansaço não é apenas físico, seu olhar sugere que algo mais está consumindo sua energia. Como de costume, mexo em alguns papéis, esperando que ele fique a vontade. Ofereço café, chá ou água, ele nega, sacando do bolso um cantil de prata.

Sr. B: Você se importa se eu...?

Olho para o relógio no canto da parede, não são nem meio-dia, mas o gesto pareceu natural para o Sr. Barnes.

Sr. B: Em algum lugar já passou das cinco...

Ele ri e percebo que o homem que está a minha frente é mais afável do que aquele apresentado na primeira sessão. James me parece extrovertido e tranquilo, como aqueles maridos de filmes de comédia romântica, mas ainda assim com aquele ar misterioso. Sr. Barnes da um gole na bebida e percebo que não está usando a aliança, revejo as minhas anotações, não há dúvida que ele usava a aliança quando esteve no consultório pela primeira vez. Pode parecer um detalhe sem importância, mas é algo que costumo reparar quando recebo casais, uma aliança de casamento é mais que um símbolo, tem um valor muito grande pra maioria das pessoas, talvez o Sr. Barnes tenha um bom motivo para não estar usando a sua, estou certo de quem vem por aí uma história interessante.
Ligo o gravador, esperando descobrir do que se trata.

Eu: Por que decidiu voltar sozinho?

Sr. B: Na verdade eu também não sei, não temos um problema, quero dizer, amo minha esposa, minha casa, nossa vida...

Anotações: Um "mas" paira sobre o ar, aparentemente ele não sabe como continuar.

Eu: Mas...

Anotações: O Sr. Barnes fica com um olhar distante, como se estivesse revivendo momentos difíceis, algo definitivamente o perturba, mas está claro que ele não consegue falar sobre o assunto, isso é comum, sempre pra um do casal é mais difícil, tento fazer uma nova abordagem.

Eu: Tente ficar tranquilo, Sr. Barnes. Estamos aqui para conversar, só isso, não há respostas certas ou erradas, fale um pouco sobre a sua mulher, o que o deixou atraído por ele no começo?

Sr. B: Ela era gentil, encantadora... misteriosa.

Anotações: Ele sorri ao falar dela, ótimo l, estava começando a se abrir.

Eu: E hoje?

Anotações: O rosto de James assume uma expressão séria.

Sr. B: Nenhum mistério.

Anotações: Espero paciente que ele continue, mas ele apenas olha para mim e sacode os ombros, sinalizando que era só aquilo. O Sr. Barnes da mais um gole na bebida e depois baixa os olhos, conformado com sua decepção, percebo que será difícil dele se abrir, tamborilo a caneta sobre o papel.

Eu: Vamos fazer o seguinte, vou passar pra você um pequeno dever de casa.

Anotações: Ele me lança um olhar de zombaria.

Eu: Não vai ser nada complicado, eu garanto. Quero que vá pra casa e escreva sobre os seus sentimentos.

Anotações: O Sr. Barnes ri, na verdade, ele da um gargalhada, como se eu tivesse acabado de contar uma piada, quando percebe que não é brincadeira, recompõe a postura.

Sr. B: Não está falando sério, né? Olha doutor... Eu não tenho muito tempo pra escrever, como eu já havia dito pro senhor, tenho uma grande transportadora que depende de mim, trabalho muito.

Eu: Compreendo, mas não precisa se preocupar, não se trata de uma redação para escola, não precisa ter uma gramática perfeita ou frases terminadas, digamos que seja um experiência, não precisa mostrar pra ninguém.

Sr. B: Ninguém?

Eu: Ninguém.

Sr. B: Nem mesmo... pra ela?

Eu: Sua esposa? Não, não precisa. Nem a mim, caso não queira, o mais importante é que você se sinta livre pra escrever qualquer coisa, para te ajudar a descobrir o que exatamente está te perturbando. As vezes para conhecer nossa história, precisamos contá-la para nós mesmos.

Sr. B: Tudo bem, eu gosto de desafios, que mal pode haver nisso? Afinal, o senhor deve saber o que está fazendo, certo?

Anotações: O Sr. Barnes se apressa a sair, aparta a minha mão como se fôssemos velhos amigos, anda em direção a porta e para, se virando para mim.

Sr. B: Doutor... Como deve começar?

Eu: Que tal começar pelo começo? Tente se lembrar de quando conheceu sua esposa, dos motivos que o fizeram se apaixonar por ela.

Sr.B : Ótimo, vai ser isso então. Tchau!

Anotações: O Sr. Barnes sai rapidamente, faço uma anotação e tiro os óculos, fico pensando se voltarei a vê-lo.

Sr. e Sra. Barnes Onde histórias criam vida. Descubra agora