Negócios

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Elizabeth
Fugir... mas do quê? para onde? Como o célebre mágico Houdini, eu havia conseguido escapar daquele restaurante contrariando todas as probabilidades. Mas meu coração ainda estava atado por cordas e correntes. A partir dali, para onde eu deveria seguir? Reduzi a marcha do Mercedes para dobrar uma esquina. Poxa, como eu gostava de dirigir aquele carro, especialmente à noite. Nessas ocasiões eu conseguia convencer a mim mesma de que a vida tinha lá o seu propósito, de que eu estava indo para algum lugar e ainda por cima em grande estilo mas naquela noite foi diferente. Eu ainda sentia o gosto do champanhe nos lábios, o cheiro da fumaça nos meus cabelos. Sentia-me como uma maluca esquizofrênica, que diabos eu estava fazendo? Ao longo dos últimos quatro anos minha vida nunca havia carecido de sentido, de um lado eu tinha meu trabalho, o perigo, a adrenalina, do outro, uma casa linda e bem organizada, festas na casa dos vizinhos, um jardim perfeitamente cuidado, toalhas de rosto vermelha e verde. Escovas de dentes vermelha e verde. Jantares às sete. Sempre havia me esforçado para arquivar, organizar e compartimentar minha vida. Para ser a melhor agente, a melhor esposa, a melhor amante... No entanto, levando-se em conta minha infância, eu não tinha a menor condição de saber o que de fato constituía um lar feliz. Portanto, seguia fabricando uma ideia de perfeição a partir do pouco que conseguia captar quando olhava furtivamente pelas janelas de outras famílias, para a vida de outras pessoas. Quanto à minha própria vida, era perfeita apenas do lado de fora. Sempre faltava algo mas eu nunca conseguia saber exatamente o quê, agora meus dois universos paralelos, antes na mais perfeita ordem, haviam se misturado irremediavelmente, as fronteiras haviam se diluído. Todos os arquivos tinham sido lançados para o alto, minha vida havia escapado ao meu controle e eu estava morrendo de medo, o que deixaria minhas colegas da BlackWindow-Click chocadas. "Elizabeth Barnes não tem medo de nada" diriam mas elas estavam enganadas, aquele abalo sísmico no meu mundo havia me deixado com todos os fios de cabelo em pé.
Liguei o rádio na esperança de tirar da mente aqueles pensamentos negativos, em um programa de entrevistas, a apresentadora de voz rascante tentava ajudar uma mulher que reclamava de seu casamento à beira da falência.
fiz menção de mudar de estação, mas os comentários dos ouvintes captaram meu interesse.
- Eu faço tudo - reclamava a mulher. - Trabalho fora, faço ginástica na hora do almoço pra garantir a forma, cozinho um jantar com minhas próprias mãos todas as noites, meus filhos são os melhores alunos da escola e minha casa, bem, dá pra lamber o chão de tão limpa que é.
- Então qual é o seu problema? - perguntou a apresentadora. - Seu marido bebe?
- Socialmente...
- Bate em você?
- Claro que não!
- É infiel?
- Nunca foi.
- Então qual é o problema, Jane?
- Todas as noites meu marido se senta à minha frente durante o jantar e olha para mim, como se eu nem estivesse ali..
- Entendi - disse a apresentadora. - Sabe o que você precisa fazer, Jane?
- O quê? - eu sussurrei em uníssono com a mulher - .... esquecer do maldito jantar, mandar as crianças pra casa da avó e botar pra quebrar na cama, meu amor. Esqueça um pouco da casa, ninguém vai morrer por causa disso! Pare de bancar a escrava diante do fogão! Comida é comida. Minha linda. você pode encomendar qualquer coisa na padaria da esquina. Preste atenção, Jane: sexo tem a ver com mistério, com selvageria. Tem a ver com desordem... até mesmo com perigo. É um passeio de montanha-russa que vira você de cabeça pra baixo e te faz perder o ar e se você se permitir perder o controle... aí então, minha amiga, você vai ver estrelas!
- Mas é que eu...
- Acredite em mim, Jane e todas as outras Janes que estiverem me ouvindo neste momento, se sua vida perfeita não está preenchendo seu vazio é possível que ela tenha se transformado em uma caricatura da sua própria fantasia. Amigas, vocês precisam chacoalhar as coisas um pouco! Parem de pintar porcelana e comecem a pintar como Jackson Pollock! Façam uma bagunça, pelo amor de Deus! Esqueçam as roupas do marido no chão... depois de arrancá-las do corpo dele, é claro! E outra coisa... - com as mãos tremulas, mudei de estação. uma voz masculina, muito grave, dizia:
- E agora vou levá-los numa viagem madrugada afora, uma via gostosa e sexy, com... "Jazz para apaixonados". e lembrem-se: nós ficaremos de pé enquanto vocês estiverem de pé.
- "tenha a santa paciência!" - já estava disposta a desligar o rádio quando o celular tocou. "Quem poderia...? Bucky?" seria ele mesmo? Abri o aparelho e conferi o identificador de chamadas. *Bucky*.
Sim, era ele. Meu coração disparou como se sofresse uma overdose de cafeína mas não sabia dizer se isso era uma coisa boa ou uma coisa ruim. hesitei, mas depois atendi.
- Alô.
- Essa foi a segunda vez que você tentou me matar hoje. - caramba, com aquela voz ele poderia virar um superstar do sexo por telefone. Ainda bem que eu tinha acabado de reduzir diante de um sinal vermelho.
- Ah, não chora, vai - eu disse com uma calma afetada. - Foi só uma bombinha, amor.
- Quero que você saiba - ele rosnou - Que estou indo pra casa e chegando lá, vou queimar cada objeto que você comprou em toda a sua vida. - acelerei o motor, fazendo-o rugir. Foi como se James tivesse dito: "estou indo pra casa pra fazer amor até você implorar pra eu parar." Abri um sorriso de voracidade, afinal, eu ainda não havia jantado. O sinal ainda estava vermelho mas quem se importava com isso? não havia ninguém na rua, e talvez a mulher do rádio tivesse razão. Um pouco de perigo, uma voltinha na montanha-russa...
- Vamos ver quem chega lá primeiro. - sussurrei, engatei o drive e pisei fundo o acelerador.

Bucky
Caralho, com aquela voz ela podia virar uma superstar do sexo por telefone. Meu coração batia a mil por hora. Seria o perigo? a adrenalina? ou quem sabe seria outra coisa? não parei para analisar meus sentimentos, sabia apenas que precisava meter as mãos no meu algoz antes que a noite chegasse ao fim. Só depois poderia parar um pouquinho e refletir sobre o assunto. Um sedã preto tinha acabado de estacionar junto ao meio-fio. O motorista passou a cabeça pela janela e ofereceu:
-Limusine, senhor? - olhei o carro de ponta a ponta, exatamente o que eu precisava.
Minutos depois eu estava a caminho da auto- estrada, costurando o trânsito como um maluco. A mão esquerda no volante, o celular na direita. Digamos que eu tinha dado ao motorista uma noite de folga. "Espero que ele não leve uma multa por minha causa" pensei. Eu tinha um encontro e nada nesse mundo me faria chegar atrasado. A pouco a auto-estrada já se esparramava à minha frente, levando-me de volta ao que um dia tinha sido a minha casa. Onde minha adorável esposa esperava por mim, como sempre mas não como sempre. Minha mulher não era mais a mesma pessoa, talvez nem fosse mais a minha mulher! Olhei para a rodovia, olhei de relance para o celular, olhei de volta para a rodovia.
- Foda-se - eu disse, e apertei um dos números da memória. Claro que estava ligando para Elizabeth, para quem mais poderia ser? E ela não teve a menor pressa para atender.
- Ainda não chegou? - foi logo dizendo, sem nenhum "alô".
- Preciso saber de uma coisa - falei secamente. - A primeira coisa que passou pela sua cabeça quando me viu pela primeira vez. - silêncio absoluto. Pelo menos uma vez na vida, nenhuma resposta, nenhuma piadinha inteligente. Ela estava desprevenida.
- Eu respondo se você responder primeiro - disse por fim. "ah, não, não vai ficar de sacanagem agora, não!" Eu estava farto de jogar, nosso casamento inteiro tinha sido um jogo. Queria, nem que fosse por uma única vez, deixar toda aquela encenação de lado.
- Você parecia uma manhã de Natal. - respondi. - Não saberia como dizer de outra forma. - achei que o silêncio fosse se estender por toda a eternidade.
- Por que está me dizendo isso agora?
- Acho que... - meu Deus, por que será que eu estava fazendo aquilo? - Acho que, quando chegamos ao fim de alguma coisa, automaticamente pensamos no início dela. - Elizabeth não disse nada, o barulho do trânsito vazava pelo telefone. Com certeza estava dirigindo com a janela aberta. Eu podia imaginar seus cabelos varridos pelo vento. - Achei apenas que você devia saber a verdade.
Elizabeth continuou muda. Dava a impressão de que tinha caído no sono ou parado para reabastecer. Teria ouvido alguma coisa do que eu disse? minha vontade era de gritar: "Fale comigo, Lizzie. Diga alguma coisa!"
- Então vai, fala - pedi. - Diz a verdade.
- Quando te vi... - a voz dela agora era suave, amena. - Achei que...
- Fala - sussurrei.
- Achei que você era o mais perfeito.. o mais lindo... - uma pausa, meu peito pulsando como um tambor mas devo ter interpretado mal as coisas, pois a voz dela era bem outra quando terminou a frase - Alvo que eu jamais tinha visto em toda a vida. - balancei a cabeça, mudo, digerindo aquelas palavras. Saboreando cada uma delas, tinham gosto de nada.
- Então pra você foi sempre uma questão de negócios - eu disse. - Desde o início.
- Desde o início - ela disse. - Negócios. - pura e simplesmente, "anda, mulher, quebre minha perna e acabe logo com isso!" caí duas faixas para a esquerda e segui pela pista de alta velocidade aquele idiota com cara de bunda no espelho retrovisor, quem era? Engraçado, o idiota era minha cara.
Mas achei que devia agradecer-lhe, por ter mantido a cabeça fria, por ter-me dado a oportunidade de esfriar a minha própria cabeça.
- Obrigada amor - eu disse, com propósito. - Era isso que eu precisava ouvir. - Desliguei o telefone, minha armadura de ferro já de volta ao seu devido lugar. Eu tinha um trabalho a fazer. Naquele ramo não havia espaço para sentimentalismo barato. Pisei fundo o acelerador.

Elizabeth
Manhã de Natal. Ele disse que eu parecia uma manhã de Natal, Natal é a coisa favorita de James em todo o mundo. Passamos os últimos anos do nosso casamento nos afogando no mais completo tédio, agindo como se fôssemos um casal de bonecos pré-programados, e só AGORA ele me aparece com essa história de manhã de Natal? Isso era demais para mim. Paixão, raiva, medo, sexo..
Tudo isso eu tirava de letra mas uma declaração como aquela, não. Ele havia deixado a porta entreaberta e eu havia olhado pela fresta, cheia de desejos... mas apavorada.
James havia se revelado um mentiroso de marca maior, capaz de jogar os jogos mais perigosos com inquestionável competência e a mais absoluta frieza. Eu já não sabia mais quem ele era, o que era real, o que não passava de uma simples tática de guerra. Portanto, alguma coisa me fez pisar no freio.

Sr. e Sra. Barnes Onde histórias criam vida. Descubra agora