Capítulo 15

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- Agora, você tem que se concentrar no seu redor. - Disse ele, abrindo os braços e indicando tudo à minha volta.

- Eu tô tentando! Você disse que eu sou tudo, ou algo assim, mas como eu vou ser tudo? Como eu sinto tudo? Isso não faz o menor sentido. - Respondi, emburrado. Estávamos sentados na grama, cuidando para não atingir nenhuma flor, e quanto mais aquele homem falava, menos ele fazia sentido.

- Sabe qual a semelhança entre um dodô e uma cadeira? - Perguntou ele, me olhando com olhos grandes e loucos e um sorriso nos lábios.

- A semelhança... Isso não faz o menor sentido! - Exclamei, confuso.

As flores, para ajudar, davam risadinhas em volta.

- Os dois são a chave! - Exclamou ele, rindo junto com as flores.

- Ok, já vi que você não vai me ajudar, eu vou embora. - Retruquei, ameaçando me levantar.

- Como você irá, se não há lugar seguro para voltar? - Perguntou ele, começando a flutuar.

- Claro que há! Minha casa é mais segura do que ficar aqui com você. - Retruquei, cruzando os braços.

- O seu problema é que você está tentando ser tudo, quando você só precisa ser você. - Disse ele, me encarando e apontando um dedo em direção ao meu peito.

- Cansei das suas frases enigmáticas! Por que você só não me fala o que fazer? - Perguntei, perdendo a paciência.

- Quanto mais você reclamar e menos fazer, menos vai fazer e mais vai reclamar. - Disse ele, rindo novamente com as flores.

Suspirei, vendo que não tinha saída a não ser tentar o que ele me dizia.

Fechei os olhos e me concentrei novamente no vento, no calor do sol, no farfalhar da grama, nos sons de pequenos insetos; aos poucos, senti um calor subir a espinha, e logo como se esse calor se espalhasse por todo meu corpo. Abri os olhos, vendo que meu vô me encarava com um sorriso satisfeito, de cabeça para baixo no ar. Olhei meus braços, e todas minhas veias ganharam uma coloração azul brilhante.

- Agora voe! - Exclamou meu avô, saindo voando e rodopiando.

Ok, se eu tô azul por dentro, eu devo conseguir voar... Comecei a me concentrar novamente e pulei, sentindo o ar quase sólido à minha volta. E então eu... Não voltei a cair no chão.

- Eu tô voando! EU TÔ VOANDO!! - Exclamei alegremente enquanto subia pelo ar. Aos poucos, fui entendendo como controlar e fui voando em direção ao meu avô, que me esperava.

Pude ver ao longe a cidade, os campos verdes e brilhantes, o galpão que era pior ainda de cima e o mar após a cidade, onde provavelmente Dante, Leon e Des estavam me esperando.

- Você está indo bem! Agora, é só imaginar o que quer fazer, colocar vontade, e você consegue! - Disse meu avô. - Tudo é questão de prática. -

O encarei, confuso. Como ele queria que eu fizesse qualquer coisa só porque minhas veias estão azuis. Inclusive, será que é saudável essa coisa de veia azul? Eu não contaminei meu sangue nem nada do tipo... Certo?

Vendo que eu o encarava confuso, meu avô deu um suspiro e pousou no chão, sinalizando para que eu o seguisse.

-Vamos começar mais devagar. - Disse ele, se agachando. - Vamos, toque o chão e me diz o que você vê. - Pediu, me encarando pacientemente.

Toquei o chão, ainda o encarando confuso.

-Eu ainda estou vendo você. - Respondi, ficando impaciente.

- Não com os olhos, bobão! Me fala, o que você vê! - Repetiu ele, dando um tapinha na minha mão que estava apoiada na grama.

Suspirei, contrariado, e tentei me concentrar como fiz antes com o ar. Minhas veias aos poucos começaram a brilhar naquele tom azul, e entendi o que meu avô disse sobre ver.

Comecei a sentir toda a terra abaixo de mim, cada raiz, cada inseto, as seivas correndo nas árvores distantes, a grama e as flores pulsando em vida e energia, coisa que não havia sentido antes. Era como se eu estivesse de fato vendo tudo, mas de um jeito totalmente diferente.

-Agora você está vendo de verdade! - Meu avô comentou, satisfeito. - Converse com elas! Peça para que façam coisas, e elas farão. - Completou ele, sentando de pernas cruzadas no ar há alguns centímetros do chão, me encarando com interesse.

Tentei fazer o que ele disse, e senti quase como uma conexão inexplicável com a terra. Palavras não eram necessárias, ao menos não na minha língua, e me esforcei para pedir algo à terra, me esquecendo momentaneamente de como aquilo soava ridículo.

Pensei em Leon, e pedi que a terra me desse algo com a sua essência. Em poucos segundos, uma linda flor cresceu na minha frente, entre meus dedos. A flor era diferente de tudo o que eu já vi, com pétalas maiores e laranjas por fora e pétalas delicadas de um amarelo suave no centro. Seu caule, verde da cor da grama, não possuía espinhos, mas sim pelinhos brancos quase invisíveis, tornando-a surrealmente delicada. Seu aroma era doce, mas não ao ponto de ser enjoativo, diferente de qualquer flor que eu já conheci.

Meu avô aplaudiu, sorrindo.

-Lindo! Nunca vi uma flor assim antes! Enquanto esse amor e sentimento florescerem em seu coração, a flor não murchará. - Disse ele, me observando colher a flor do chão junto com um pedaço de terra, onde se abrigavam suas raízes.

Sorri para ele, feliz por saber que no fundo aquela flor representava Leon, e que era única no mundo, assim como ele era único para mim. Era, sem dúvida, o presente perfeito.

-Está ficando tarde, não vai dar tempo de te ensinar os portais hoje. - Disse ele, tateando os bolsos. - Por isso, use isso por enquanto, e venha ao beco para praticar seu voo. - Instruiu ele, me dando um daqueles dispositivos que Dante tem para abrir portais.

-Obrigado por tudo... vô! - Agradeci, sentindo meu rosto esquentar ao chamá-lo de vô.

Ele sorriu, gentilmente. Ouvimos ao longe o barulho dos cavalos, indicando que a carruagem estava à espera.

-Volte para seus amigos! Nos vemos em breve, Levi. - Disse ele, me indicando o galpão pelo qual entrei. Fui em direção a ele e, quando cheguei na porta e me virei para dar um último adeus, ele já havia desaparecido.

Andei pelo galpão pensativo, até que um reflexo no canto de uma das paredes podres e antigas me chamou a atenção. Quando me aproximei, vi que era um espelho de mão daqueles antigos, com cabo de prata. Ao contrário do resto do local, o espelho estava como novo, nem mesmo uma mancha do tempo pontuava sua moldura que reluzia como jóia. Seria errado roubar algo de um familiar que acabei de conhecer? Talvez, mas eu não poderia deixar um lindo item desses no meio do mato, poderia?? Não, não poderia.

-Sua alteza?! - Chamou o cocheiro, ansioso. Guardei o espelho no bolso e segui seu chamado para fora do galpão, entrando na bela carruagem que me aguardava, carregando cuidadosamente a bela e exótica flor nas mãos.

A saga de LeviOnde histórias criam vida. Descubra agora