LEMBRANÇAS

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Anne escolheu para mim um vestido azul claro. Agradei-me da escolha; parecia um vestido de princesa, mas era muito confortável.
Fiquei apreensiva ao sair do quarto, imaginei encontrar Marek, mas ele não estava ali. Menos mal.

A serva me conduziu à sala de refeições e quando adentrei, o rei já estava lá; o desgraçado era inegavelmente lindo, se não conhecesse sua índole, teria deixado escapar um suspiro; minto, eu me apaixonaria por ele. Em vez disso, o saudei:

-Bom dia, majestade!

Eu, realmente, espero que os acontecimentos da noite anterior não o tenham deixado bravo ou que ele queira vingança.

-Bom dia!

Ele saudou de volta e levantando-se, puxou a cadeira para mim.
Hum, muito cavalheiro. Desconfio.  Olho para a cadeira para ver se não tem nada de estranho ali, só depois me sento.
Ele sentou-se me encarando, o que me deixou desconfortável; era, no mínimo, estranho seu bom humor, ainda mais depois do que disse a ele.
O que ele estava tramando? Perguntava-me.

Fomos servidos e após a saída dos servos, ele me indagou:

-Dormiu bem?

-Sim! Tive ótimos sonhos, inclusive!

-Com o que sonhou?

-Acha mesmo que vou lhe dizer?- desdenhei.

-Sim! Eu exijo...

-O senhor não pode fazer isso...- estremeci de ódio.

-Sim, posso!- ele me interrompeu.

Ponderei minhas opções, aliás eu poderia mentir, mas nesse caso, a verdade seria mais interessante.

-Muito bem, -comecei com certa irritação - sonhei fazendo amor com seu servo Aaron. -revelei descaradamente.  -E foi magnífico!- completei.

O rei engasgou; começou a tossir convulsivamente. Confesso que ri. Ao menos, consegui atingi-lo de alguma forma.
Mas aí, a coisa ficou séria.

- Guardas? - gritei em pânico.

Eu poderia deixá-lo morrer, mas como não sou sangue frio assim, corri para ajudá-lo. Dei uns bons tapas nas costas dele. E sim, me aproveitei para bater nele, afinal não sou santa.

-Respira seu idiot...aliás, majestade... Só respira.

Se eu tiver que fazer respiração boca a boca nesse filho de chocadeira, ele me paga. Bati com mais força em suas costas, enquanto me perguntava onde foram parar os malditos guardas, que não aparece um quando se precisa deles.
De repente, algo saltou da boca dele e rolou sobre a mesa.
Era uma fruta do tamanho de uma uva.

-O senhor está bem?- perguntei segurando seu rosto com as duas mãos. - vou chamar alguém...

Ele me deteve, pondo um dos braços  em volta da minha cintura e segurando minha mão em seu rosto, quando tentei me afastar.

- Eu preferiria que tivesse sonhado comigo! - ele balbuciou com seu sorriso mais encantador.

-Ora seu...

Sem tempo de reação, quando dei por mim estava em seu colo e a boca dele na minha. Lutei para me soltar e ele intensificou o aperto e o beijo, só me largou quando fiquei sem ar. Eu já estava pronta para dar na cara dele, minha mão estava até coçando, mas então, vi Marek adentrar acompanhado de alguns guardas. O rosto dele ficou imediatamente sombrio ao me ver no colo do rei.

Perfeito. Pensei comigo.

E fiz algo que eu sabia que iria me arrepender mais tarde. Tasquei um beijo naquele pervertido, um beijo de novela, só não tinha nada de técnico. Eu tinha que admitir, o canalha beijava maravilhosamente bem.

-Se eu soubesse que estavas pronta para mim, eu teria pedido para nos servir o desjejum em meus aposentos.  - o descarado ousou me dizer.

Cravei minhas unhas em seus ombros, propositalmente, enquanto dizia:

- Não sabe como...

-Grrr...

Quando ele grunhiu, eu o soltei e me levantei.

-Então, vamos!- Disse.

Olhei Marek de esguelha, ele mantinha sua postura de comandante inabalável, mas aquele semblante eu conhecia bem; aquela aura perversa me fez ter calafrios. Uma lembrança terrível se soltou do poço mais obscuro de minha mente.

Tudo aconteceu poucos dias após eu ter me unido a ele.
Meu ex-namorado, que não entendia o porquê de ter levado um fora, foi me procurar na casa onde eu morava com aquele monstro. Não tive outra alternativa senão recebê-lo. Esse foi o meu erro; a conversa demorou menos de cinco minutos, tempo suficiente para que eu o convencesse a ír embora e nunca mais voltasse. Joguei na cara dele que Marek era o homem da minha vida, obviamente mentira.

Ainda assim, tive de lidar com as consequências de ter deixado Robert entrar na casa. Tão logo ele saiu, o comandante apareceu no topo da escadaria.
Tentei me explicar, mas ele não quis ouvir. Puxou-me pelo braço, com força, até fazê-lo estalar. Ali senti que havia quebrado, a dor foi imensurável. Gritei em agonia.
Mas o canalha não estava satisfeito; arrastou-me até a mesa de jantar e sem que eu pudesse me defender, rasgou toda a minha roupa e me jogou debruçada sobre ela.

Achei que ia me estuprar, porque eu não tinha a menor vontade de fazer sexo com ele, então sim, seria estupro mesmo.
Mas ao invés disso, o que confesso ter sido um alívio, ele usou um chicote para me bater e me fez contar cada vez que bateu no meu corpo, só parou quando eu estava quase desmaiada.
Depois me arrastou para o quarto e me jogou no tapete, pelada. Passei a noite ali tremendo de frio e dor, sem direito a um lençol para me cobrir.
Somente no dia seguinte que ele me levou para sua nave e usou sua tecnologia avançada para me curar.

"Que nunca mais se repita". Foram suas palavras para mim.

Agora eu sentia minhas pernas afrouxarem. O rei pareceu entender que eu não me sentia bem e segurou-me.

-O que há querida?

- Não estou me sentindo bem! Por favor, leve-me para tomar um ar! -supliquei sentindo a bílis na garganta.

Senti-o me apertar contra seu corpo e isso foi, estranhamente, reconfortante.
Meu corpo não conteve o terror da lembrança indigesta.
Simplesmente, apaguei.

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