O HAREM

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-É por aqui, senhora!

Ouvi ao irromper no corredor.
Deparar-me com Anne na saída, frustrou, totalmente, meu plano de fuga.

-O quê?- fiz-me de desentendida.

-Seus aposentos!

Tentei não revirar os olhos em desdém e tentei ignorei o olhar da serva sobre mim. Um olhar curioso. Mas como sempre, ignorar as entrelinhas não era do meu feitio.

-Não aconteceu nada entre mim e seu rei...

- Eu não disse nada...

-E nem precisava! Agora vamos sair daqui logo...

Mal dissera isso, a porta rangeu atrás de mim e pela forma como Anne se empertigou, soube quem estava ali.

-Cuide para que ela tenha uma alimentação adequada.  Depois de estar comigo, ela vai precisar.

O desavergonhado teve a ousadia de insinuar à serva, que arregalou os olhos enquanto me encarava.
Definitivamente, tive de usar todo meu auto-controle para não avançar e esbofetear a cara dele.
Não bastasse o comandante na minha cola, agora teria que lidar com um rei pervertido e sem coração.
Realmente, eu estava longe de ser uma mulher de sorte. Nada dava certo para mim naquele inferno de mundo.

Maldição!

Anne

Vi minha senhora ficar estática e vermelha, seu olhar converteu-se em pura ira; eu podia jurar que ela parara de respirar. E quando ela virou-se para o rei de forma abrupta, soube que boa coisa não vinha.

-Majestade, agradeço seu cuidado, mas o senhor não foi tão vigoroso assim.

O olhar do rei mudou sobremaneira.
Mal pude acreditar que ela dissera isso.
Senti quando ela me pegou pelo braço e me puxou pelo corredor como se arrastasse uma mala pesada.
Acredito que meu sangue sumiu de meu corpo, minhas mãos estavam pálidas e aposto que o aspecto do meu rosto não estaria melhor. Queria que o chão se abrisse e me engolisse. Ninguém enfrentava o rei daquela forma e vivia para contar.
E eu não queria ser testemunha das atrocidades que poderiam recair sobre aquela noiva, por ter proferido palavras tão ousadas.

-Anne, você precisa recuperar a razão! Não consigo levá-la nos braços.

Fui sacodida com força, o que me fez voltar a mim.
Olhei em volta. Já estávamos longe dos aposentos reais e percebi que nenhum guarda viera em nosso encalço; respirei aliviada.

-Você está bem?

O olhar da noiva parecia preocupado; talvez porque eu estivesse ofegando.

-Sim! Siga-me, por favor!

Disse a última palavra com  ênfase. Eu estava para suplicar que ela se comportasse e me deixasse fazer meu trabalho.

-Desculpe ter feito você passar por isso! É que aquele homem me tira do sério...

-Não há razão para a senhora se desculpar com uma serva!

Respondi um tanto surpresa por ela estar se desculpando comigo, algo totalmente incomum.

-Pare Anne! Errei em tê-la posto nessa situação desagradável e independente de você ser serva ou não, é meu dever pedir desculpas. - ela exortou-me.

Fiquei emocionada com suas palavras. Jamais fui tratada com tanta benevolência. Porém, mantive minha emoção para mim mesma e em silêncio a conduzi para o harem.

Ao adentrarmos no local foi como se ouvesse uma explosão de fogos na entrada; servos e noivas se viraram na nossa direção.
Minha senhora se empertigou com o olhar invejoso da maioria daquelas mulheres. Se um olhar matasse, decerto ela teria caído morta no chão.

-Por quê?- ela balbuciou.

-Por que o quê?- franzi o cenho sem entender.

-Por que elas estão me olhando assim?

-Suas vestes, significa que esteve com o rei, nos aposentos reais! Nenhuma noiva teve esse privilégio até hoje. Ele costuma recebê-las em outros aposentos. - esclareci.

-Nós duas sabemos que não estive com ele...

Ela balbuciou entre dentes.

Lily

Eu não podia acreditar que estava passando por esse constrangimento.  Senti vontade de arrancar o roupão do corpo, pisar em cima e seguir pelada. Mas tive de reconhecer que até um ato de rebeldia deveria ter algum limite, ainda que fosse no pudor.
A imagem do rosto austero do rei ainda estava em minha mente; se ele resolvesse fazer alguma retaliação pelo que lhe disse, eu estaria perdida.
Agora teria que lidar com essas noivas raivosas.

-Essas mulheres vão me matar se eu ficar aqui com elas. -Choraminguei.

-Senhora, não há o que temer! O rei destinou-lhe aposentos especiais.  Não terá de dividir espaço com as outras noivas.

-Hum, ainda não sei se isso é bom ou ruim.- meio que desdenhei, embora, lá no fundo, estive aliviada por não ter de ficar ali; aliás, no raso mesmo.

Talvez, elas me sufocassem com um travesseiro durante a madrugada. Imaginei e tive calafrios com isso.
Segui a serva a passos largos e a medida que passávamos adiante, que as mulheres percebiam que eu não ficaria ali com elas, a inveja no olhar de algumas foi se transformando em murmúrios desaprovadores e a atmosfera daquele lugar se tornou cada vez mais hóstil.

Por Deus! Tudo isso por causa de um homem?

Não consegui evitar desdenhar.

-Não se preocupe! Elas não teriam coragem de atentar contra a preferida do rei.

Ouvi Anne falar como se para me tranquilizar.
Agora sim, eu queria socar alguém.
Caminhamos um pouco mais até chegarmos na outra extremidade do harem, que, salvo por alguns guardas, estava vazio.

-A ala das preferidas!

Anne proferiu como se fosse a coisa mais vantajosa do mundo.

-E quantas preferidas estão aqui?

Minha curiosidade falou mais alto.

-Na verdade, nunca houve nenhuma! A senhora é a primeira a receber esse privilégio de viver aqui.

Ignorei o frio que perpassou minha espinha. Tantas regalias não podia ser algo bom.
Mais adiante, avistamos Marek junto a uma porta.

-É aquele ali!- Anne anunciou.

O comandante virou-se para nós.  Seu olhar se deteve em mim. Fiquei com tanto medo do modo que ele estava me olhando que apertei o braço de Anne, como se fosse minha tábua de salvação.

Marek

Ver Lily com os trajes reais me deixou a um passo de cometer um ato de imprudência que me desgraçaria para sempre, afinal, aquela mulher ainda era minha esposa para todos os efeitos.
Obriguei- me a reorganizar meus pensamentos.
Não. Ela não seria tão ousada de deitar-se com ele, tentava me convencer, embora soubesse que em se tratando do rei, ela não teria fuga possível.
Com os olhos cravados nela, abri a porta.

-Entre! - balbuciei.

-Obrigada!- ela me agradeceu falsamente.

Assim que ela se aproximou, usei meu tamanho avantajado para bloquear sua passagem.

-O que aconteceu entre você e o rei?- a inquiri quase num sussurro.

-Descobri que seu rei é homem, e que homem! - ela suspirou da forma mais deslavada possível.

Decerto, estava ciente que levaria vantagem sobre mim naquele momento.
Estremeci de ódio e tão logo ela teve uma brecha, precipitou-se para dentro do quarto e cerrou a porta, deixando-nos para trás
Anne se encolheu num canto, enquanto me olhava abismada.
Embora eu estivesse tentado ao confronto, recuei. Minha esposa, agora era a preferida do rei, o que me deixava numa posição muito desconfortável.

Eu já não tinha mais certeza de estar pisando num terreno seguro.
Se aquela mulher resolvesse contar ao rei sobre a relação que mantinhamos, nós dois estaríamos em sérios apuros.
Dei-me conta de que precisava ir contra o tempo para tirá-la dali e pôr um fim ao problema. 

Lily tinha que morrer.

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