O DISFARCE

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Markus

Depois que saí dos aposentos da minha rainha, vaguei pelos corredores desnorteado.
Ela ainda demorou algum tempo lá e pelo que fui informado, passou rapidamente para visitar seu amigo e então saiu do palácio.
Esse foi um movimento muito arriscado, mas era a chance que eu tinha de tirar essa história a limpo.
Mais uma vez utilizei meu disfarce.
A tecnologia importada de nosso vizinho vinha bem a calhar.

Quando me disfarcei a primeira vez, tudo que eu queria era descobrir que tipo de noiva estava se apresentando diante de mim. Eu havia me cansado de tudo que dizia respeito a essa tradição. E como sempre, no meu aniversário, lá estavam muitas delas, a maioria sem aptidão alguma para ser rainha. Muitas só queriam o status e as regalias.
Ao me disfarçar de serviçal atrapalhado pude conhecê-las melhor. Por conta disso, fui agredido algumas vezes e mesmo essas mulheres tendo ido parar no meu harém, mantive-me distante delas.

Quando Lily entrou naquela sala naquele fatídico dia, eu não sabia o que esperar dela. A princípio, já percebi que ela não fazia questão de ser vista por mim, pois entrara com o rosto coberto.
A noiva anterior já havia me castigado por ter derramado vinho em seu vestido, as marcas estavam visíveis em meus braços.
O que ela faria se soubesse que havia castigado o próprio rei?!
Metade da culpa era minha por ter me proposto aquilo, aliás a culpa toda. Essas leis com castigos arcaicos faziam parte do meu governo desde sempre e precisavam ser revistas.

Mas lá estava eu, disposto a provocar mais uma noiva. Mal pude acreditar na reação dela ao se ver coberta de vinho. Fiz diante dela o mesmo que fiz diante das outras, me curvei pedindo perdão.
De início, senti sua irritação, mas então sua voz soou embargada.
Ela arrancou o véu, claramente, irritada, mas eu sabia que não era comigo, seu olhar para mim era suave e condescendente.
Fiquei imediatamente encantado por sua beleza única. Suas palavras ficaram em minha mente.

"-Acalme-se! Não há motivos para tanto, é só um véu e um vestido..."

Não pude evitar encará-la e para minha surpresa ela foi falando atropeladamente e declarando ser uma impura, como se isso fosse um problema.
Nunca imaginei me envolver em algo do tipo, ficou bastante evidente que ela estava fugindo do comandante, mesmo assim a ajudei a escapar.
Algo me chamou atenção nela e eu desejei saber mais.
O beijo de despedida que ela deu em meu rosto e as jóias que me presenteou, me fizeram vê-la diferente das outras noivas.

Por impulso a segui, dormi com ela ao relento e tive de sair quase fugindo, mas não antes de presenteá-la com uma jóia da coroa.
Tive de ser rápido naquele dia para conseguir estar na comitiva. Eu sabia que ela estava tentando fugir do reino e dei meu jeito para que ela não conseguisse sair.
Marek a alcançou e ela foi muito esperta ao apresentar a jóia, então a entregaram a mim, na carruagem.

Lembrar de tudo que aconteceu, desde então, pôs um sorriso bobo em meu rosto.
Por muitas vezes, eu jurei que ela pularia no meu pescoço para me esganar, isso quando eu estava na pele do rei. Já quando eu estava na pele do servo, ela sempre me fora gentil.
Voltei a dormir com ela no harém e tive de sair de lá escondido.
E lembrar que ela sonhou fazendo amor com o servo sem saber que era eu, foi hilário, menos a parte que quase morri engasgado quando ela me contou isso, imagino que para me provocar, porque ela poderia ter mentido.

Nunca foi minha intenção enganá-la, mas estar como serviçal perto dela era mais fácil para mim.
Ela conversava comigo e foi assim que descobri muito de tudo que ela sofreu nas mãos do comandante e por muitas vezes a amparei, o que só me fez me aproximar ainda mais dela.

Quanto ao comandante, eu precisava de provas reunidas para acusá-lo perante o conselho e eu estava atrás disso, mandei, inclusive, investigar suas idas à Terra.
Agora era questão de tempo; eu o puniria devidamente por seus crimes.
Ainda estou bravo comigo mesmo por ter dado ouvidos àquele homem, mesmo sabendo de sua conduta destrutiva e cruel. Mas, ao menos, eu sabia o que esperar dele.
Já Lily, eu mal a conhecia, embora em meu íntimo eu soubesse que podia confiar nela.
Porém, o que eles chamam de ciúmes falou mais alto.

E novamente, lá estava eu diante dela, como um serviçal.
Embora eu me sentisse péssimo por fazer aquilo, não foi difícil tirar as informações que eu precisava dela.
Ela simplesmente saiu falando tudo.
Eu amava essa sua espontaneidade.

Tudo ia bem, isso até eu não conseguir me conter e beijá-la.
Ela se debateu em meus braços e eu soube que me rechaçava. Confesso que fiquei feliz por isso.
Mas quando ela conseguiu me empurrar, seu olhar de acusação sobre mim me fez entender que ela descobrira a verdade sobre minha farsa.

-Você...

Essa simples palavra me atingiu como um sôco no estômago.

-Eu sabia que você era uma impura traiçoeira.

Ouvi a voz de Marek e vejo-o se aproximar com seis soldados.
O desespero no rosto de Lily é nítido e palpável.

-Esse servo vai morrer!- Marek anuncia friamente.

Duvido que ele tenha me reconhecido.

-Como ousa...

Eu ia me revelar, mas então, Lily me interrompe com uma fúria que não estava ali antes.
Ela me acerta um tapa na face, é o segundo de hoje. E sim, mereci cada um deles.

-Cale-se agora! o rei saberá o que fez...- Ela  brada, mesmo sabendo que eu sou o rei.- Leve-me daqui, comandante!

Foi então que compreendi o terrível cenário que eu tinha diante de mim e me maldisse internamente por ter sido tão estúpido e ter ido até ali desarmado e sem escolta.
Lily pareceu entender mais rapidamente que eu o que aconteceria se eu me revelasse.
Marek nunca apreciou meu modo de governar e eu estar desprotegido fora do palácio e na pele de um servo, seria um prato cheio para ele.
Não duvido que ele daria cabo da minha vida ali mesmo. Era a oportunidade perfeita para se livrar de mim e pôr a culpa na rainha "impura", como ele fazia questão de anunciar.

Eu não era um tolo, sabia que não tinha chances contra sete guerreiros armados, mesmo eu sendo um também.
Lily optou por salvar minha vida, ela sabia o que estava em jogo quando pediu que Marek a levasse e eu fui obrigado a permitir.
Ela me olhou uma última vez e eu conhecia bem aquele olhar, era um olhar de adeus.

Apesar de tudo, eu acreditava que Marek seria prudente e a levaria de volta ao palácio.

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