Cada ruga nascida no rosto de Juan desde que o caso começou é graças à falta de informação. Ele está apertando o elefante cor-de-rosa e eu mordisco meus lábios. Estou exatamente ao lado dele, encarando-o enquanto seu olhar está fixo na porta como se em cinco segundos fosse surgir alguém com novas informações do corpo de Cinthia.
— Não é o mesmo padrão — ressalta Juan. — E ao mesmo tempo pode ser — refere-se ao Caçador de Olhos, que ceifou a vida de 7 mulheres e nunca foi preso.
A ausência dos olhos não pode ter sido uma coincidência. Ambos sabemos disso.
Juan repassou todo o caso de Francisca Oliveira Noveno pelo menos dez vezes desde que encontramos sua filha morta. Mãe de três garotas idênticas, usuária de cocaína e prostituta, a mulher morreu aos 25 anos depois de ser vista pela última vez no Viaduto Santa Ifigênia em 2005. Morta por um assassino específico.
— Ainda acha que encontrar uma coisa diferente aí? — digo e aponto para a pasta que Juan abriu mais uma vez.
Cinthia Damasceno Nogueira, 27 anos, faria 28 na semana que vem caso seu corpo não tivesse sido encontrado, na madrugada de ontem, abaixo do Viaduto onde a mãe sumiu tanto tempo atrás. Sem os olhos, assim com as mulheres mortas pelo Caçador de Olhos.
— Os pais dela voltam aqui amanhã, é nisso você tem que focar. Explicar por que não encontrou a filha deles antes dela morrer.
Ele não me olha. Sabe que tenho razão, mas está com o ego tão ferido por não ter encontrado Cinthia que nem consegue me encarar.
Quando Juan mudou de divisão, foi porque não suportava a impotência de não poder mudar o destino da vítima. Com sequestros você tem pelo menos a chance de salvar alguém, mas concordamos que quando isso não acontece é muito pior do que só encontrar a vítima morta. Existe uma carga muito pesada de culpa sobre os ombros dele agora.
Estamos na delegacia de homicídios, passa das 4h da madrugada, e Juan não estaria aqui se seu caso de sequestro não estivesse atrelado a um assassinato. Ele fecha a pasta e me encara.
— Teorias? — pergunta, seu tom transparece o sentimento que carrego há menos tempo que ele. — Não tenho nenhuma sólida. — Juan bufa.
Minha cadeira é tão desconfortável quanto a dele, por isso minhas costas doem depois de tanto tempo sentada.
— As gêmeas não se viam fazia 20 anos, certo? — pergunto, ele assente. — São sequestradas juntas quando se encontram. Por quê? — Pauso por alguns segundos. — Depois uma aparece morta, sem os dois olhos, abaixo do local onde a mãe delas sumiu antes de morrer. Como isso está ligado?
— Se soubesse essas respostas já teria resolvido o caso.
— Se tivesse se perguntado as perguntas certas, Cinthia não teria morrido.
Silêncio.
— Arrancar os olhos é uma coisa do Caçador de Olhos, mas não jogar de um Viaduto. Ele enforcava as mulheres — digo e aponto para a pasta na mão dele. — Os corpos foram encontrados meses depois dos assassinatos.
— Você ainda quer que eu te dê respostas que não tenho.
Juan só está falando comigo agora porque se sente obrigado.
— É o meu trabalho entender todas as linhas que você seguiu na sua investigação até a vítima aparecer morta. Todo o resto é besteira da sua cabeça. — Cruzo os braços. — Não adianta ficar irritado comigo.
A porta iluminada pela luz amarela do corredor se abre, cumprimento o escrivão, depois falo:
— Esse crime não é tão fora da curva quanto você quer que seja.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Não Deixe a Puta Morrer
Mystery / Thriller[VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS 2021] - CATEGORIA MISTÉRIO/THRILLER +16 O caso de sequestro não era responsabilidade de Laura dias, mas quando o corpo de uma das vítimas é encontrado sem os dois olhos abaixo do Viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo, a in...