As cortinas azuis frente à porta da sacada estão abertas e o sol já foi embora há horas. Um copo de água cheio preenche minha mão direita e meus pés descalços e frios estão encolhidos no sofá preto com quase o mesmo valor de um carro popular, e que Juan ganhou de presente do avô quando nos casamos 3 anos atrás.
Juan Marques Pantaleão carrega mais do que o glamour em seu sobrenome, ele é herdeiro de bilhões frutos de uma das primeiras fabricas de relógios do Brasil. Atualmente não usa tanto os seus relógios, porque chamariam uma atenção indesejada, mas dentro do nosso guarda-roupas há uma caixa com o preço dessa casa dentro. Pelo menos uma vez por semana ele abre e limpa um por um com cuidado, os trata como filhos, e não deixa ninguém tocar. Em eventos fechados, eu o ajudo a escolher um deles, porque o censo de moda e Juan são inimigos, mas minha relação com seus relógios se limita a isso.
Alguns homens amam carros, Juan ama seu adereço de ouro branco e safiras encrustadas que acaba de retirar do punho e colocar em uma caixa individual no centro da mesa de centro da sala. Tenho até medo de chegar perto dessa coisa.
Hoje visitamos o pai dele, que até 2022 foi prefeito de São Paulo, mas agora presidência os negócios da família. Nenhum de seus filhos está disposto a assumir esse cargo depois dele, então sempre que vamos até lá é como sorrir enquanto voa de um lado para o outro dentro de um furacão. Juan tirou o terno quando entrou e agora desabotoa a camisa social enquanto o observo. Ele nunca fica bem depois de uma visita ao pai.
No chão coberto por um tapete amarelo barato que comprei 8 meses atrás, e que Juan odeia, ele tem suas pernas cruzadas e puxa seu notebook prateado. Começa a se ocupar em procurar os arquivos do caso. Eu me estico para pegar a pasta amarela ao lado do computador. Nós combinamos que iriamos aproveitar a ida de Michele para a casa da minha irmã Suzane hoje. Esse deveria ter sido um primeiro domingo do mês igual a qualquer outro, mas nenhum evento dele deixa minha mente descansar.
Minha mãe veio, como o esperado, e a viúva que habita um lar em Mondini, no interior de São Paulo, ficou a tarde inteira reclamando do nosso estilo de vida. Por que não bota carne na churrasqueira? Essa menina está muito magrinha. Quando vais comprar uma casa maior? Essa não é boa pra criança. E outros um milhão de defeitos que só ela enxerga.
Não comemos carne há 1 ano e passamos muito bem. Michele está no peso ideal, e tem uma nutricionista para isso além da assistente social garantir que ela não esteja passando fome. O apartamento? Esse apartamento é enorme, muito maior do que nós precisamos. É um duplex! Um duplex em São Paulo! Temos três quartos no andar de cima, mas só usamos dois. A sala, na qual estou agora, caberia dez adultos deitados só entre os sofás e a estante, além da sacada, que caberia meu carro. A cozinha é pequena, mas por que teria que ser grande? Cabe todos os móveis e uma mesa de seis lugares. Todas as quinas têm protetores, a escada tem cerca e a sacada é telada. Michele está segura. O que mais ela quer? Sim, eu sei. Ela quer uma mansão com piscina e sauna igual à da minha irmã mais velha. Bem, em algum momento minha mãe vai precisar lidar com o fato de que Juan ser rico não nos faz precisar de uma casa maior que essa. Por mim morava em uma menor. O apartamento é ótimo, ruim é a língua da minha mãe. Eu nunca disse isso para ela, claro.
Eu não estava aqui quando chegaram, mas consigo deduzir todos os movimentos dos presentes. Suzane, minha irmã mais velha, ficou cuidado de Eloísa como se minha sobrinha já não tivesse mais de dez anos, e o marido certamente não veio. Dem, a mais nova, por outro lado, deve ter ficado o tempo inteiro sentada na mesa em frente à churrasqueira elétrica com a cara enfiada no celular, com algum namoradinho novo. Juan riu o tempo inteiro, coitado, de nervoso delas perguntando por mim, com minha mãe se enfiando na churrasqueira e falando mal de tudo que ele faz. Michele não deve ter soltado uma só palavra, minha família fala o suficiente por uma assembleia inteira.
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Não Deixe a Puta Morrer
Mistero / Thriller[VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS 2021] - CATEGORIA MISTÉRIO/THRILLER +16 O caso de sequestro não era responsabilidade de Laura dias, mas quando o corpo de uma das vítimas é encontrado sem os dois olhos abaixo do Viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo, a in...