Capítulo 13, aquele do pastor

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     Passei dois dias tentando confirmar o que Laerte e Matheus me disseram. Não precisava se importar tanto para notar e é isso que me deixa mais triste. Por isso que dormir está muito difícil também.

Minha relação com Juan não está no melhor dos mundos, mas desde que confirmei a fraude do orfanato parece que me deito na cama com uma tonelada nos ombros e levanto com duas. Tenho que contar para ele. Preciso criar coragem e contar, mas não tenho. Para isso em específico sou covarde demais.

— Você acha mesmo que o Juan e o Thiago foram comprados? Laura, me poupa disso. Nem em um mundo paralelo. — Foi Ana quem me disse isso quando falei com ela ao telefone ontem, mas não existe nada de paralelo nisso aqui.

Não há como vincular a adoção de nenhuma das crianças a uma compra, mas a igreja em questão, que ocupa quase um quarteirão inteiro há 40 anos, era dona do tal orfanato que só teve 16 crianças ao longo de toda a sua história. O dono usava um nome cujo registro indica que já estava até morto quando o orfanato foi "fundado" em 2005, então é como se nunca tivesse existido. E que assistência social foi essa que deram às crianças? Tentei encontrar os responsáveis, mas seus cargos já são ocupados por pessoas que estão lá faz 10 anos e as informações de contato dos antigos funcionários é tão desatualizada que não consegui extrair nada mesmo depois de espremer muito.

Eu já sabia que teria que vir à igreja e puxar do Pastor essas informações, mas se de órgãos públicos não consegui nada, como sairá daqui? Se esse lugar está tão vinculado a um crime com tantas vítimas é claro que tudo está abaixo do tapete há 20 anos.

— Pastor João Miguel — digo baixo, perto do altar maior que uma tela de cinema e decorado com molduras douradas e prateadas. Ele se vira em minha direção. Estamos sozinhos no salão de uns 100 metros de cumprimento e 60 de largura.

— Laura, olá, não te esperava aqui. — Ele curva um pouco o corpo e repito o movimento. O relógio prateado que foi presente de Juan reflete a luz branca acima de nossas cabeças. — Fui na delegacia, sabes disso? Pela menina Cinthia.

— Me contaram sim, Pastor. — Enfio as mãos no bolso, estão geladas. — O caso ainda não acabou.

— Certamente que não, ainda não pegaram quem fez aquilo. Sabes que Cinthia era umas das irmãs que conhecia mais em toda a igreja?

Eu apostaria alto que não.

— Por tempos não vens à pregação.

— Sim. — Olho para a sala que dá para a parte detrás do altar. — O Senhor acredita, Pastor, que nunca conheci a Cinthia? — Ele está assentindo. — Por quanto tempo ela frequentou sua igreja?

— Nossa igreja, irmã. — Meu sorriso sai fraco e forçado. — Desde que era bem menina. Não te encontraram por horário, não duvido, tu sempre estavas aqui aos domingos à noite e ela pela manhã. Juan, como vai? E a tua menina, Michele, não cheguei a conhecer, mas o Prefeito Pantaleão sempre fala dela.

Tenho preguiça de lembrar a ele que o pai de Juan não é mais prefeito. O pastor começa a caminhar pelo corredor entre as duas fileiras de cadeiras de ferro brancas soldadas ao chão que se somam mais de cem em cada lado.

— Quantos anos tem?

— 5 — respondo, seguindo-o. — Pastor, eu na verdade vim perguntar uma coisa.

— É claro que sim, há 2 anos já não te sentes em casa aqui. — Suas palavras fazem meu corpo estremecer. — A ti custam informações de Cinthia, mas não tenho muito mais a falar. Ela cuidava das crianças do grupo da família, vinha nas pregações e era fiel à sua família abaixo apenas do Nosso Senhor.

— Quero saber do Juan. — O Pastor para de andar, me olha intrigado. — Quando ele começou a vir na igreja, o senhor lembra? — Ele aperta os dedos das mãos que estão frente à barriga. — Na idade da Cinthia, talvez? 8 anos?

— Tanto tempo, irmã. Deveria perguntar ao prefeito, ele não sabe? — Nego, mentindo. — Não era pastor na época. Lembro que viam ele e Thiago quando a mãe ainda era viva. Perto de 2007, talvez antes, não depois. Depois do falecimento, só Juan voltou perto do casamento, mas então se afastou novamente.

— Cinthia e Juan começaram nessa igreja na mesma época. — Ele parece confuso, sinto meus dentes baterem. — Pastor João Miguel, o senhor sabe alguma coisa sobre o orfanado de onde eles foram adotados? — Nada é dito por alguns segundos, ele está sério e eu também. — Em 2005 muitos gêmeos frequentaram essa igreja. Verdade?

— Muitas pessoas visitam essa igreja aos domingos e quartas há 40 anos.

Ele não quer falar sobre isso, é tão óbvio que me desnorteia.

— Volte às 19h, irmã. Teremos um culto muito bonito. — Nego com a cabeça. — Laura, não se meta nessa confusão. Já se foram tantos anos.

— Com todo respeito, Pastor, mas eu sou paga para me meter nessa confusão e, mesmo que não fosse, ainda me meteria. Essa igreja se manteve com a venda de crianças em 2005. — Estou jogando um verde. — 16 crianças, dentre elas o meu marido.

O gogó dele se sobressai. Eu umedeço os lábios. Era essa falta de reação que precisava. Porque quando não se há culpa, não se mantém o silêncio por uma acusação tão direta.

— O senhor vai ser convocado para um interrogatório — informo, e passo por ele em direção à porta de quatro metros da igreja.

Não olho para trás, como fiz da última vez quepisei aqui e ele tentou enfiar na minha cabeça um Deus muito diferente do meu.Naquela época o Pastor argumentou que tínhamos apenas diferentes ângulos, mashoje ele mesmo sabe que só existe um lado certo dessa "confusão" e o PastorJoão Miguel não está nele.

Não Deixe a Puta MorrerOnde histórias criam vida. Descubra agora