Não Deixe a Puta Morrer

Capítulo 7, aquele do melhor amigo

     Ele toca a unha preta do indicador direito sobre a mesa duas vezes.

— Lembro que ela se achava uma super-heroína. O Gustavo é um dos piores alunos e era um desafio que deixava Cecília cheia de satisfação pessoal. Tenho certa inveja da didática dela porque a minha sempre foi mediana. Sempre que desanimo, fico meditando sobre uma frase que ela sempre dizia quando eu reclamava de ter que dar aulas: "A educação tem raízes amargas, mas seus frutos são doces." Cecília é viciada em anotar trechos dos livros e músicas, traduzidos por ela, em um caderno. — Matheus põe uma mexa do cabelo descolorido para trás. — Ela se inspira para escrever com elas e minhas músicas também ajudam, mas faz tempo que não falo com Cecília.

— Qual foi a reação dela com esse vídeo pornográfico? — Juan questiona, o interrogado coça a garganta e pressiona os lábios.

— Minha melhor amiga é a mulher mais calma que conheço, mas ficou com raiva. Ela sempre tentou levar uma vida fora dos holofotes e sem chamar atenção, odiava que a notassem, mas a Cassandra jogou isso na lama e pisoteou sem dó.

O tom de sua voz muda ao falar o nome da outra trigêmea, é notável a mágoa e desconforto.

— Ela fugiu, isso é verdade, mas não era covarde. Cecília sempre deu passos muito bem calculados durante toda a sua vida. Queria recomeçar e tinha juntado dinheiro para sair país fazia uns anos, só adiantou a data. — Esclarece de forma calma e compassada. — Fui eu quem contou aos irmãos sobre a viagem, eles teriam impedido, e ficaram irritados por alguns dias, mas logo notaram que era melhor mesmo que a maçã podre da família ficasse longe. A Ce causava algumas confusões com os posicionamentos políticos, se é que me entende. — Sorri, como se lembranças o atingissem com intensidade, e continua. — A família inteira é de militares, ela se formou em letras e sonhava em ser escritora.

— Vimos que vocês moraram juntos, como foi?

Juan está de pé na sala de interrogatório e eu assisto a conversa pela sala ao dessa, por um vidro.

— Depois do acidente dos pais dela, nós moramos juntos por quase 2 anos. A gente dava aula na mesma escola. Mas no último ano Cecília alugou um quarto em uma pensão e se mudou. Não sei como ia se virar em outro país, mas ela sempre dá um jeito, sempre dá, é impressionante.

Um silêncio perdura na sala enquanto Juan faz anotações. Matheus diz:

— Já sabia o que era quando me ligou. Estou acompanhando o caso pela internet. Você acha que ela foi sequestrada também?

— Por que não veio aqui antes?

— Eu mandei mensagem pra ela. Ela se importa, sempre me falou das irmãs e do desejo de um dia voltarem a ser uma família. Não vim porque tinha certeza de que existia um motivo pra Cecília estar em silêncio. Se ela não queria falar, eu não ia invadir o espaço dela.

— Qual foi a última vez que ela te respondeu? — Juan se senta e apoia os cotovelos na mesa.

— Desde o dia da viagem não nos falamos. Somos melhores amigos, eu sabia que Cecília precisava de um tempo e por isso não lotei ela de mensagens, foram só algumas depois que soube das irmãs — explica sem mostrar nenhum tipo de sentimento controverso. — Eu ia visitar a Ce no final do ano e ela estaria melhor, era assim que pensava.

— Você acha que alguma aconteceu com ela?

Matheus aperta os dedos.

— Não é o seu trabalho me falar isso? — Matheus fecha os olhos. — Eles anunciaram a morte da Cinthia no jornal e o desaparecimento da Cassandra com uma notícia escrito "Prostituta e viciada, mulher desaparece e é associada ao homicídio da irmã gêmea". Li no site. Eu não conhecia as outras duas, mas não quero nada parecido para a Cecília. Eles falam que o desaparecimento foi no dia 24 de junho. Foi dia do embarque da Cecília. Ela nunca embarcou, não é?