Nóia

4 1 13
                                        


1999.

Duas da manhã. Atilio puxou o maço de Hollywood de dentro do bolso da camisa e acendeu um cigarro. Passou pela porta do quarto e, na área de serviço, olhou para o quarto da neta com a luz acesa. Noite após noite, a luz do quarto sempre acesa.

E esse pobre coitado fedendo carniça, cego de um olho... Quando é que vão arranjar um Veterinário de verdade para dar cabo da vida dele com dignidade?

O idoso jogou a bituca do cigarro no chão e tirou a chave da porta, pois no molho de chaves estava a chave da porta da cozinha.

O filho da puta do rabudo vem me ameaçar com a divulgação de umas tretas de anos atrás. Ha! Se esses filhos das putas aparecerem de novo, eles vão é comer capim pela raiz! Vou encher eles de azeitona! Já fiz isso antes, não custa fazer de novo, ainda mais para defender a minha família.

Atilio acendeu a luz do cômodo, pegou um copo no armário superior e o levou ao filtro. Enquanto enchia o copo, viu pelo canto do olho uma sombra passar correndo pela janela de vidro canelado e ouviu o choro do cachorro pouco depois.

– Merda... – Ele murmurou.

Deixou o copo sobre a pia e abriu a gaveta para pegar uma faca de cabo de madeira, parecida com uma peixeira.

– É hoje que eu mato um!

Ele tirou os chinelos, abriu a porta da cozinha com cuidado e abriu a porta da suíte com um chute. O ser dentro do cômodo, de pé sobre a sua cama, pulou sobre ele e Atilio caiu para trás, acertando parte da cabeça no tanque antes de cair no chão e desmaiar. Latidos dos enormes cachorros do vizinho e sons de metal encheram a noite.

O impacto do chute dele na porta e o baque do corpo no chão, atraiu Kazuo que cruzou a casa inteira para abrir a janela dos fundos e, com uma lanterna, procurar algo na casa do vizinho.

– Takako, liga pro Elson. Acho que o pai dele sofreu um acidente.

Elson desceu as escadas seguido por Célia e, ao chegar no quintal, viu seu pai se levantando do chão.

– Tadê a Laua? – Ele perguntou com a boca torta.

– Pai! – Elson se aproximou e colocou a mão no ombro do pai.

– Gueo dala com a Laua... Eu bi, Laua! Eu bi!

– Célia, liga o carro, pelo amor de Deus, já! Ele está tendo um AVC! Pai... Entra no quarto, por favor...

– Laua!!! – Atilio gritou.

– Nao, gueo dala com a Laua! Eu bi! Daba em zima da gama!

– Pai! – Elson Pegou o pai no colo e o carregou para dentro, para a sala de TV.

Rodrigo e Rafaela na virada da escada, assistiam o descontrole do avô, o nervoso do pai e a mãe voltar correndo da garagem. Elson se afastou do pai para subir as escadas e trocar de calça.

– Pronto, Elson. Seu Atilio, deita no sofá que a gente já vai pro hospital. Ai, Elson! Ele está sangrando! – Célia olhou para o rastro de pingo de sangue pela cozinha e no sofá cor creme.

– O quê?! – Elson, no primeiro degrau da escada, olhou para trás e viu o sangue.

– Laua! Lauaaaa! – Atilio gritou apesar da boca torta – Nao zindo o baço dieido... Lauaaaa!

Laura desceu as escadas correndo e se agachou em frente ao avô.

– Vô, o que foi?

– Os home de pedo doam na loja hoje... Um dina um abo paecido com de deiu...

INSÔNIAOnde histórias criam vida. Descubra agora