A casa

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São Paulo, 1997.

A casa dos Martini, Elson e Célia, era um sobrado geminado de quatro quartos no bairro do Jabaquara, sendo uma suíte.

A parte frontal da casa possuía uma garagem para dois carros; o acesso ao interior da casa se dava pela lateral, depois de subir quatro degraus e percorrer um corredor de quatro metros de comprimento. A porta de entrada se abria para uma grande sala com uma enorme janela que dava vista para a garagem. A mãe de Laura, dona Célia, estava animada com a nova cortina branca de duas camadas e enfeitada por um xale azul-marinho – a primeira camada em tricoline, a segunda, em voil e o xale em veludo. O carpete da sala também fora trocado: era cinza chumbo, ao passo que os móveis da sala continuavam os mesmos: um jogo de sofá de corino com almofadões confortáveis, uma grande estante de cerejeira e a mesa de jantar. Entre essa sala e a que deveria ser uma copa, havia uma porta de passagem e um pequeno corredor que abrigava a entrada para o diminuto lavabo. A copa, transformada em sala de TV era onde ficava a escada e uma janela para o resto do corredor lateral da casa. Em seguida a copa, a cozinha com duas portas: uma de ligação entre a copa e a cozinha e a outra que levava ao quintal que tinha uma edícula no fundo, com uma pequena suíte e a lavanderia no andar de baixo; no andar de cima, uma churrasqueira, cujo acesso se dava por uma escada de ferro em espiral.

O andar de cima era composto por uma suíte, três quartos e um banheiro. Dos três quartos, o maior era o do fundo, que Laura conquistou numa longa e bem disputada partida de "dois ou um" com os irmãos, assim que os pais decidiram que comprariam a casa.

Aos 13 anos, o quarto da Laura tinha pôsteres dos Mamonas Assassinas, da Maryah Carey e do Take That, além de um enorme pôster do Tom Cruise atrás da porta. Seu avô Atilio tinha lhe dado um rádio relógio branco que, ao mesmo tempo, comportava um aparelho telefônico e que funcionava bem, desde que houvesse linha telefônica, é claro. De qualquer forma, Laura gostava muito do aparelho por ser um modelo descolado e que dava ao seu quarto um ar de "quarto de adolescente Americana que passa horas falando ao telefone com as amigas".

A janela, de frente a churrasqueira, ela tinha enfeitado com uma cortina de voil cor de rosa, cheia de babados e que se prendia às laterais da janela por laços de cetim da mesma cor. A sua cama branca, de cabeceira cheia de rococós ficava lateral a parede da janela, distante dois metros uma da outra, enquanto o guardarroupa de pinus ficava em frente a cama e, ao lado desse móvel, uma cômoda. Ao lado da cama da adolescente, uma escrivaninha e, na parede, um nicho para sua boneca de rosto de porcelana e um vasinho de flores artificiais.

A suíte dos pais dava frente para a rua e eles pensavam em fazer como o vizinho Milton: um pátio que também serviria de cobertura para os dois carros da família. Nesse pátio, dona Célia planejava colocar algumas estantes para acomodar vasos de flores e outras plantas, já que devido ao novo mascote da família, um Pastor Alemão chamado Tom (nome dado por Laura), as suas plantas viviam correndo risco.

Tom era muito apegado ao Rodrigo, Laura e Rafaela; talvez mais a Laura, com quem brincava e que facilitava a entrada do cachorro quando os pais não estavam em casa. Laura o levava ao seu quarto para ouvirem música e o cachorro subia na cama dela enquanto ela fazia os deveres de casa.

Certa vez, Tom ameaçou destruir o ursinho favorito da dona, mas, ao ganhar outro brinquedo, um coelhinho caolho, aceitou a troca de bom grado e detonou o brinquedo sacudindo a cabeça de um lado para o outro e fazendo voar espuma do coelhinho para todos os lados, enquanto Laura e os irmãos riam da alegria do cachorro.

O sr. Elson era comerciante e tinha uma coleção pequena, mas respeitável de pássaros da fauna Brasileira que cuidava todos os dias, pela manhã e a noite, quando voltava do trabalho. Entre essas aves incluía-se: Curió, Galo de Campina e Papagaio da Bahia, mas seu grande orgulho era o Curió chamado "Morceguinho": campeão de exposição de canto no Museu do Ipiranga. A ave era também objeto do desejo de inúmeros entusiastas da criação de Curió, que fizeram diversas propostas de compra da ave, sempre negadas pelo dono. "Morceguinho" foi batizado com esse nome por Rodrigo por cantar a noite. Bastava acender a luz e o pássaro desatava a cantar.

Outra ave que pertencia ao sr. Elson era um Papagaio bastante falador, que, desde o primeiro instante da vida de Tom na casa dos Martini, em 1995, entendeu que aquele serzinho de quatro patas era um cachorro e que cachorros não se dão tão bem com gatos. Por isso, quando "Lorinho" estava a fim de fazer Tom de bobo, ele começava a miar e o cachorro, a procurar pelo gato. De manhã, ao ver o dono, Lorinho cantava:

"Se você fosse sincera

Ô, ô, ô, ôôô, Aurora!

Veja só que bom que era,

Ô, ô, ô, ôôô, Aurora!"

Sr. Elson cantava com ele e esperava o pássaro anunciar aos berros:

– Qué café! Qué café!

O dono oferecia uma metade de pão francês encharcado de café preto ao Papagaio e depois, servia um pouco de ração ao Pastor Alemão, que protegia a parte traseira da casa e o corredor, até pouco antes da porta de entrada e que era cortado por um portão de barras de ferro azul-marinho como o xale da cortina da sala.

Quando perguntado sobre o que queria fazer da vida, Rodrigo dizia sempre que queria ser Advogado; já Laura pretendia estudar Medicina Veterinária e costumava ler livros e revistas sobre cães, além da tradicional revista "Capricho", que toda adolescente lia.

Era uma família normal, vivendo sua vida normal, com objetivos normais e nada que pudesse chamar a atenção de qualquer pessoa... ou ser.

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