a little death {lwt+hes}

.XIX.

"All this time my thoughts return to you."

- I Live For You by George Harrison.

Levou exatamente três dias e dezessete horas para que Louis conseguisse ordenar seus pensamentos e tomasse uma decisão sobre como prosseguir com todas as informações restauradas em seu cérebro. Ele se acostumou com as memórias vindo em formato de sonhos ao que ele se rendia a um bom cochilo vez ou outra e, também, não se assusta mais quando sua visão fica turva e o passado bate a porta, o convidando a entrar e se conhecer melhor.

Voltando de sua caminhada entre orvalho, árvores altas e galhos secos, ele finalmente admite que suas asas são incríveis e ter tirado um dia pra esvaziar a mente e se conectar com o seu lado celestial– a parte que faltava em sua alma–, foi a melhor coisa que poderia ter feito para poder aprecia-las devidamente, como se fossem uma benção de Deus. Louis se sente leve ao finalmente ter resposta para algumas coisas, como o fato de ter se acidentado brutalmente e não ter uma cicatriz além da marca que Mamon– um demônio poderoso, o que é mais do que justificável– lhe deu, e poder beber álcool como um camelo no deserto e ainda se manter sóbrio e forte como um touro. Ah, ele também tem uma teoria de que o homem que o recebeu no inferno e falou de sua pureza se tratava de Leviatã, a inveja propriamente dita e um dos irmãos de Harry.

Claro que ele ainda não tem a resposta para muitas coisas, como a morte da sua irmã, mas se sentia menos vazio sabendo que a conhecia antes mesmo de encarnar na pele humana.

Oh sim, tem isso.

A primeira vez que Azrael e Asmodeus foram juntos visitar a terra, ambos já estavam perdidamente apaixonados então, dessa forma, o arcanjo não viu problemas em levar seu amante ao mundo dos humanos para lhe contar seu segredo favorito depois do seu romance proibido com ele. Hoje, Louis nitidamente consegue se lembrar de contar a Harry que todas as noites ele observava Nora cantando uma canção de ninar sobre um anjo que mora numa rua que tem um bosque da solidão para uma bebê recém nascida. Com pesar, também se recorda de contar que a garotinha, que parecia tão frágil e sonolenta nos braços da mãe, iria morrer jovem e que, por isso, sua maior vontade era saber o motivo pra tentar impedir que isso ocorresse, mesmo que fugisse do livre arbítrio da menina.

Agora, ele sente como se houvesse passado anos dentro de uma caixa e, finalmente, estivesse fora dela, enxergando tudo tão bem. Para ele, fica claro como o dia qual a razão de se sentir tão fodidamente culpado pela morte de Anna. Seu subconsciente sabia, de uma certa forma, que ele havia feito uma promessa silenciosa de que se tivesse a mínima chance, ele iria a proteger a todo custo– E, ainda assim, se deixou levar pelo amor que sentia por ela e nunca a dedurou para os pais, achando que estar presente fosse ajuda o suficiente para alguém completamente viciado em drogas e sem qualquer controle próprio.

Louis, enfim, pode respirar fundo e dizer que se sente uma pessoa nova, com uma visão totalmente diferente de mundo e mais completa, mais em paz consigo mesmo. Ele para em frente a porta do quarto de Harry. Bem, ao menos alguém não mudou para seus olhos cristalinos.

Suas mãos tremem suavemente ao bater na madeira porque foram três dias evitando o cacheado a todo custo, não tendo a menor certeza se saberia lidar com as coisas tão bagunçadas em sua vida. Louis corria pela manhã um pouco antes do nascer do sol, e se Harry estivesse à vista no seu retorno para o chalé, ele abria suas asas e voava entre as folhas verdes até estar escondido covardemente na varanda do quarto em que está hospedado. Ele sabia que o outro tinha noção de que estava evitando sua presença, porém não se sentia pronto para enfrentar isso.

Recuou três passos.

— Louis?

A primeira coisa que seus olhos captaram foi a falta de cabelo e ele tentou não abrir a boca em completo choque por saber que seus amados cachinhos haviam sido brutalmente cortados e aparados, a segunda coisa foi a barba por fazer e céus... Louis gostaria de beija-lo ruidosamente até sentir seu rosto queimar pelo atrito dos pelos com sua pele. A terceira coisa? Foram aqueles lindos olhos verdes que ele, agora, sabe que há milênios é tão apaixonado.