Capítulo 2

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Era um dia ensolarado e úmido em Hot Springs, um pouco mais de uma semana havia se passado desde o jantar e já fez maravilhas com o tempo. Lucy estava de bom humor, e levantou cantarolando antes de sair para seguir sua rígida rotina de exercícios. Depois de ter passado uma semana corrida na lanchonete, estava sentindo alívio ao perceber que o grande dia havia chegado. Iria passar a tarde em uma piscina natural.

Após terminar seu banho pós exercícios, escolheu uma calça preta simples, vestiu a camisa do uniforme e fez um rabo de cavalo nos cabelos. Nunca usava maquiagem, para evitar chamar atenção, principalmente em lugares públicos, porém hoje era uma exceção. Antes de sair de casa parou novamente em frente ao espelho e disse seu mantra em voz alta:

- Eu sou Lucy Walters. Eu sou Lucy Walters. Eu sou Lucy Walters.

Quando se sentiu satisfeita saiu porta afora. Ligou seu carro e seguiu para o trabalho ao som de Lindsey Stirling, sentindo que este seria um dia muito bom. Não sabia o quanto estava enganada.

Enquanto dirigia para o trabalho, percebeu que um carro preto modelo utilitário estava atrás dela pela terceira vez. Começou a se sentir paranoica, será que estava sendo seguida? Será que a tinham encontrado depois de 4 anos escondida? Ia começar a tentar despistar o carro quando este deu sinal de que ia virar à direita. Respirou fundo para se acalmar, e de repente começou uma crise de riso. Estava se sentindo louca, não tinha como saberem onde estava, sendo nem sabiam que estava viva. Além do mais, era cuidadosa ao extremo. Não tinha conta em nenhuma rede social, não deixava que tirassem fotos suas e era evasiva com as câmeras de segurança. Não, com certeza era só o estresse da semana.

Chegou à lanchonete se sentindo menos leve do que estava quando acordou, mas decidida a não deixar que sua paranoia a consumisse. Ao adentrar no estabelecimento cumprimentou os seguranças:

- Bom dia, Gerome. Bom dia, Maurice.

- Parece que alguém está de bom humor hoje, não é Gerome? – Disse Maurice em tom de brincadeira. Maurice é um segurança rechonchudo de meia idade, com bigodes grandes, sempre com um sorriso no rosto. Gerome olhou para Lucy, e respondeu ao cumprimento com um aceno de cabeça.

- Hoje é sábado, e amanhã é minha folga. Tenho todos os motivos para estar feliz – Respondeu Lucy, e entrou após a conversa com Gerome e Maurice.

Foi até o vestiário dos funcionários para deixar seus pertences e seguiu para o balcão. Ao entrar, os pelos de sua nuca eriçaram. Sentia que estava sendo observada. Olhou ao redor discretamente, e se concentrou em caminhar observando o reflexo nos vidros. Esse mau pressentimento já salvara sua vida mais de uma vez, e hoje não seria diferente.

Depois de alguns minutos, confirmou seus piores pesadelos. Ele estava lá. Mike, a única pessoa de sua vida antiga que poderia rastreá-la, se quisesse. Afinal, ele foi seu mentor há muito tempo. Caminhou em sua direção, ele estava sentado nos fundos, perto da saída de emergência.

- O que está fazendo aqui? – Lucy perguntou, direta e seca, com medo do que ele poderia lhe dizer.

- É bom te ver também, Zoe. Com vida e saudável, aparentemente. Nunca havia te imaginado como garçonete – Respondeu Mike, de forma sarcástica. Ele era um homem de 30 e poucos anos, de estrutura atlética, com cabelos lisos e pretos, começando a ficar grisalho, e olhos castanhos claros que nunca deixam transparecer suas intenções.

- É Lucy agora. Vou perguntar de novo, o que está fazendo aqui? – Exigiu Lucy.

- Tudo bem, Lucy, já vi que não tem interesse em amenidades, achei que poderia ter sentido minha falta – Disse, tentando soar indiferente, mas falhando. Isso fez um buraco se abrir no peito de Lucy, que queria mais do que tudo estar com ele novamente, mas não podiam, nunca mais. – Vim te dar um aviso. Saia desta cidade o mais rápido possível. Eles descobriram que ainda está viva, e mais gente está à sua procura. Se descobrirem que eu te ajudei todos esses anos, minha cabeça estará a prêmio também, e eu gosto da minha cabeça onde está. É uma questão de tempo até descobrirem sua localização. – Respondeu Mike, e ficou observando a reação de Lucy, enquanto ela absorvia o que ele havia dito. Ela não deixou transparecer suas emoções, e ele sentiu uma pontada de orgulho, ela havia sido sua melhor aluna, embora a relação deles tenha sido muito mais complexa que apenas aluno e professor.

- Você me ajudou todos esses anos? - Perguntou Lucy aturdida. - Tudo bem, não importa. O que você pode me contar? Quando descobriram sobre mim? E o mais importante: como? Já se passaram quatro anos, imaginei que estaria relativamente segura. – Disse, enquanto tentava entender a bomba que havia sido jogada em seu colo. Descobriram a verdade sobre ela, seria caçada até ser encontrada. E ainda havia mais gente à sua procura, precisaria ter uma conversa mais a fundo com Mike e descobrir o que ele sabia.

- Eu sempre soube que estava viva, encobri os poucos rastros que deixou ao longo dos anos. - Disse Mike, e a observou com o semblante sério. - Não tenho detalhes, descobriram ontem que está viva. Quanto ao como, pode ter sido algum deslize nessa cidade, alguém que te reconheceu de algum lugar, postou uma foto sua, não sei dizer. E você nunca estará segura, não depois do que fez. – Respondeu Mike, enquanto analisava um cardápio que ela havia entregado a ele para parecer que era apenas um atendimento comum.

- Ela está segura? – Perguntou Lucy, sentindo uma pontada de ansiedade.

Ele ficou quieto por um instante, então fez um pedido, e respondeu após ela ter anotado:

- Não que vá fazer diferença para você, mas sim, ela está segura. No momento estou mais preocupado com a sua segurança. Precisa sair daqui, e eu também. Me arrisquei muito vindo aqui.

Preocupado com a minha segurança? Mike estava parecendo genuinamente preocupado, só não tinha certeza de que sua segurança tinha algo a ver com isso. Era a segunda vez em dez anos que o via assim, ou seja, a situação era pior do que pensava.

- Preciso trabalhar, ou vão suspeitar que algo esteja acontecendo. Me encontre na minha casa. Tenho certeza que já descobriu meu endereço. Eu saio às 2PM. – Disse Lucy, e se levantou. Já estava saindo, quando se virou e falou:

- Obrigada pelo aviso, Mike. Tome cuidado.

- Você devia sair daqui agora, Zoe. Desculpe-me, Lucy. Não é seguro. – Respondeu Mike, com um tom angustiado.

- Ficarei bem, sempre fico. – Disse Lucy, e com isso como despedida, foi em direção ao balcão de pedidos. Encontrar Mike havia sido no mínimo inesperado. E aterrador.

Após deixar o pedido de Mike, Lila puxou Lucy pelo braço e perguntou:

- Ei, Lucy. Por que você estava atendendo a minha seção? Quem é aquele? Está tudo bem? – Perguntou Lila, afobada.

- Estou bem, Lila, obrigada. Vi um antigo colega e acabei nem percebendo que estava na sua seção, me desculpe. – Respondeu Lucy. - Você pode levar o pedido para ele se quiser.

- Claro, ele é um gato!

Lila olhou para Lucy com expectativa, pois Lucy nunca havia cometido um deslize desses, e nunca falava do seu passado. Queria perguntar sobre esse colega, de onde se conhecem, se já havia rolado algo entre os dois, mas se conteve. Não podia ficar de conversa durante o expediente, o que para Lucy, era uma sorte.

Ambas foram para suas respectivas seções e começaram o processo de explicar o cardápio, anotar pedidos, levar ao balcão enquanto pegava o pedido pronto para entregar ao cliente. Lucy percebia os olhares de Lila e Mike, e tentava ao máximo ignorar a ambos. Tudo estava acontecendo muito rápido.

Começou a pensar no trajeto para o trabalho, e ficou curiosa para saber se era Mike quem estava dirigindo o utilitário preto. Havia se esquecido de perguntar. Não fazia sentido, ele era o melhor agente da Organização, não se deixaria ver facilmente. Teria que se lembrar de perguntar a ele quando o encontrasse mais tarde.

Olhou novamente para a seção de Lila e constatou que Mike havia ido embora. Era período de férias escolares, então seria bem corrido. As horas demoraram a passar, tanto pela comoção de clientes, quando pela sensação de perigo crescente. Ao pensar em arrumar suas coisas para partir, percebeu o quanto sentiria falta daquele lugar. 

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