Capítulo 10

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Mike havia deixado um carro à espera a poucos quilômetros de distância da entrada de Pripyat. Zoe estava sentindo que os efeitos da injeção de adrenalina estavam se esvaindo, e por incrível que pareça, tinha a sensação de que estava pior do que antes. Ainda podia ouvir movimento atrás de si, homens gritando ordens, e então troca de tiros. 

- A SVR deve ter entrado em confronto com os homens da Organização. Aqueles dois que eliminou não eram os únicos. - Mike disse. Zoe apenas assentiu, enquanto entravam no carro. 

Ela queria perguntar mais coisas, havia tantas dúvidas em relação a tudo que havia acontecido, mas só conseguia se concentrar em respirar e manter o ritmo da corrida. Inspire, expire. Inspire, expire. Sua visão começou a embaçar e ela nem sentiu quando sucumbiu.

- Zoe? Está me ouvindo? Zoe? - Mike a sacudiu de leve. - Não durma, ainda não. Vamos fazer uma parada antes que possa lhe arrumar atendimento médico.

Ela voltou à consciência, já dentro do carro. O que há com espiões e carros utilitários pretos? O carro era um Ford Expedition, espaçoso, confortável - tanto quanto possível, dada a situação precária em que se encontrava -, e a cada curva realizada em alta velocidade, sentia que seu estômago descia até o chão. Não tinha forças para responder. Se tivesse, teria sido sarcástica. Atendimento médico para uma americana foragida que estava sob custódia da SVR? E que provavelmente está morrendo por envenenamento radioativo

Pripyat não poderia ser habitada por mais pelo menos 900 anos, de acordo com o que ela sabia. Existiam as chamadas Zonas de Exclusão, que poderiam ser acessadas com a devida autorização governamental, mas ela duvidava que estivesse sendo mantida numa área liberada para turistas. Nenhum turista chegaria perto de um gulag¹.Pensou em todos os efeitos que poderia vir a sentir, e seu estômago embrulhou novamente. Será que já começou? Se por acaso sobrevivesse, ainda havia as sequelas. Seu quadro não era nenhum pouco otimista.

Ela viu Mike pegando um dosímetro, e analisando a tela. 

- Muito ruim? - Zoe quis saber. Fora um verdadeiro desafio fazer com que as palavras saíssem.

- Não. Há vestígios, mas nada alarmante. Foi uma tremenda sorte você ter saído pelo lado onde te encontrei, caso contrário... - Ele não precisava terminar a frase para que ela entendesse o que ele queria dizer. Envenenamento radioativo não é uma forma gentil de morrer. 

Ela agradeceu internamente mais uma vez pela ajuda Katrina, e por ter confiado na antiga colega. Não entendia exatamente o porquê ela a havia ajudado, no entanto. Quando estivesse raciocinando melhor, perguntaria à Mike se ele tinha algo a ver com isso.

A parada que ele havia mencionado que fariam antes que ela recebesse atendimento médico fora multiplicada em sete. Quatro farmácias diferentes, duas lojas de conveniência e um posto de combustível, este último sendo o lugar no qual ele realizara a administração de antibióticos e soro via acesso intravenoso nela, e uma limpeza antisséptica nada confortável nas feridas de suas costas. Após uma hora tomando soro e medicamentos, Zoe começou a sentir vitalidade novamente. Não estava mais com febre alta e vertigem, mas estava longe de estar bem.

Pegaram estrada novamente, seguindo o mais rápido possível dentro de um limite que não chamasse atenção indesejada. Mike havia pego uma blusa de sua mala e ajudado Zoe a vesti-la, para que não destoasse muito com o casaco puído que encontrara em Pripyat. Agora que estava com bandagens nas costas, era mais fácil permanecer com as roupas.

A única coisa que não conseguira ajudar fora com sapatos, mas pelo menos estava de meias agora. E o aquecedor do carro ajudava também. Mike havia dito que se ela tivesse permanecido mais cinco minutos no relento sem luvas e sapatos, provavelmente teria que amputar os dedos. Ele ainda estava preocupado com o dedo mindinho do pé direito dela. 

- Como me encontrou? - Quis saber Zoe. De todas as coisas que precisava saber, ela escolheu justo essa. Ela sabia que havia informações mais importantes, mas não conseguia deixar de pensar que tudo começara a desandar em sua vida após ele ter aparecido em Hot Springs. Até que ponto ele havia dito a verdade sobre não tê-la traído? Sentia-se grata por não estar mais à mercê do Dr. Sádico, mas havia muitas perguntas sobre tudo o que levou a essa situação.

- Quando saí para buscar nossos documentos, descobri que era tudo uma armadilha. A Organização estava monitorando meus contatos, na esperança de que eu utilizasse algum para te ajudar.  Eles eram muitos, então levei um tempo para conseguir escapar e despistá-los.

Tão conveniente ter ficado fora tanto tempo a ponto de uma organização me encontrar em SEU esconderijo. Ela não deixaria transparecer, mas estava desconfiada de seu antigo mentor e amante.  Ou ele realmente estava tentando ajudá-la, enquanto atraía problemas para ambos; ou, ele estava trabalhando com a Organização para verificar o que mais ela não havia contado sobre o projeto Zeta. Embora fizesse parte de sua vida não poder confiar em ninguém, era horrível.

Ele contou que conseguiu rondar a antiga casa que estavam usando como refúgio e vira a destruição na mesma. Havia corpos dentro da casa, não identificados. Foi para Buffalo, pois haviam discutido rotas de fuga caso se separassem, e com uma investigação de três dias, enfim obteve todas as informações de que precisava para saber quem a havia levado. Depois disso fora uma questão de descobrir onde exatamente ela estava sendo mantida.

Fora um lugar excepcionalmente difícil de encontrar, pois Pripyat é uma cidade fantasma. Ninguém jamais pensaria em verificar ali. Exceto a Organização. Ele dissera ter utilizado os sistemas deles, a grande risco de ser descoberto e capturado, para verificar na base de dados em qual gulag ela poderia estar.

Zoe escutou todo o relato, analisando cada pedaço de informação. Quando ele finalizou, ela perguntou sobre Katrina. Tinha de saber se estavam trabalhando juntos, mas sem denunciar a antiga colega, caso ele estivesse envolvido com tudo o que acontecera a ela.

- Vi Katrina Petrovna hoje. Ela estava na prisão. - Disse Zoe.

- Sério? E ela não tentou te matar? - Quis saber Mike, olhando de canto para Zoe.

- Não houve tempo. - Mentira. - Havia outros militares de alto escalão. Acredito que ela não pudesse comprometer a posição dentro da SVR. Mas tenho certeza de que já relatou para a Organização.

Ele ficou em silêncio, e ela resolveu deixar assim por enquanto. Estava cansada, e não acreditava que Mike a levaria para a Organização ainda, se ele de fato fosse um traidor. Parecia que ele estava tentando ganhar sua confiança. Com isso em mente, decidiu tirar um cochilo, afinal a viagem ainda levaria mais algumas horas.

Mike a havia levado até uma mulher conhecida como Baba Yaga, que poderia ser sua salvação, ou seu fim. Supostamente, ela recebera esse nome por agir de forma similar ao ser sobrenatural do folclore eslavo, em sua casa móvel - não com pernas, como na lenda, mas com rodas, afinal estamos em pleno século XXI -, e ao fato de que ajudava os que julgava terem coração puro, ou "devoraria" aqueles de coração impuro. Claro que a mulher não era canibal, mas um letal assassina, arrancada de sua profissão original - médica cirurgiã -, para atender a espiões, assassinos e criminosos no submundo da fronteira da Bielorrússia com a Rússia, após ter tido a licença cassada por práticas de medicina nada ortodoxas.

Ao chegarem, foram recebidos por duas guardas altas, vestidas para matar. Elas eram tão parecidas, com os cabelos castanhos claros, olhos esverdeados e posturas rígidas, que poderiam ser irmãs. Elas os encaminharam por um corredor branco que se encontrava dentro dos dois containers que eram utilizados como casa móvel de Baba Yaga. Encontrá-la sempre dependia de falar com a pessoa certa, e estar disposto a pagar a quantia exigida pela suposta bruxa.

Entraram em uma sala com aparência de esterilizada, e a pessoa que encontraram estava longe de ser a figura que havia se formado em suas cabeças.

- Srta. Hall, dobro pozhalovat'². - Disse a mulher mais linda que Zoe já havia visto.



¹Gulag - Prisão, em russo.

²Dobro pozhalovat' - Bem-vinda, em russo.

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