Capítulo 12

63 11 98
                                    


Zoe não fazia ideia de quanto tempo havia ficado desacordada. Estava deitada de bruços em uma superfície dura e fria, com cheiro de material recém esterilizado. Sentia uma leve dormência por todo o corpo, portanto decidiu arriscar tentar se movimentar, bem lentamente. Estava esperando a dor alucinante que sentira antes, mas ela não veio. Graças à Deus! Não sei o quanto mais de dor eu aguentaria sentir.

Abriu os olhos e constatou que o ambiente estava praticamente todo escuro. A única luz provinha de pequenas janelas alinhadas às paredes de metal do container, algo que ela não havia notado antes. Aliás, não notara praticamente nada de todo o lugar, tamanho era o cansaço. Estar com febre e infecção não contribuíram para que pudesse se atentar em nada a não ser permanecer caminhando.

Pelo que pôde distinguir, estava de dia. Quanto tempo havia passado desde que chagaram ali? Tudo era um borrão na mente de Zoe. Lembrava-se vagamente de Mike lutando com duas mulheres, e sendo subjugado. Isso fez com que um sorriso surgisse em seus lábios rachados. Estava com a garganta seca e com fome, percebeu.

Se sentou na beirada da mesa e fez uma breve análise de si mesma. Mãos, tronco e pés intactos. Os dedos mindinhos dos pés estavam sensíveis, mas ainda estavam ali. Agora sua visão havia se ajustado à pouca luminosidade e podia enxergar o quarto no qual estava.

Ao lado da mesa de aço onde estivera dormindo havia um pequeno carrinho, também de aço, com vários instrumentos cirúrgicos alinhados. Ao lado, havia duas latas de lixo, uma para descartar lixo comum, e outra para o descarte de resíduos infecciosos. Baba Yaga podia ser inortodoxa, mas a higiene era incontestável.

Mais adiante havia uma pia e um armário com portas de vidro, onde se podia ver medicamentos, luvas, gazes, instrumentos e potes de vidro com substâncias suspeitas. Tudo na sala era de aço inoxidável, que era esterilizado constantemente; o odor na sala era um forte indicativo disso.

Também havia duas cadeiras, sendo que uma estava posicionada ao lado da mesa de aço na qual Zoe se encontrava, e a outra estava perto de uma bancada que estava praticamente vazia, havendo apenas um laptop em seu centro.

Zoe estava quase se levantando da mesa quando uma porta que ela não havia notado, situada logo à sua frente, se abriu. Baba Yaga exibiu uma expressão maliciosa, enquanto adentrava no quarto seguida de Mike e suas duas sentinelas. Todos estavam limpos e aparentavam estar descansados, mesmo que ainda houvesse hematomas visíveis, que já se encontravam esverdeados, levando Zoe a se questionar mais uma vez sobre quanto tempo havia ficado desacordada, e o que acontecera durante esse período.

- Vejo que está acordada. Agora pelo menos está com aparência de viva. - Disse Baba, à guisa de cumprimento.

- Você salvou minha vida. Obrigada. - Respondeu Zoe, com a voz rouca.

Mike se aproximou dela, absorvendo cada detalhe, mas evitando olhá-la nos olhos. Ela se lembrava do que Baba havia dito sobre as outras agências estarem cientes de sua existência, e que também a caçavam. Mas não iria abordar aquele assunto na presença das mulheres, precisava tentar ultrapassar a máscara de Mike, e isso nunca aconteceria enquanto não estivessem sozinhos.

Portanto, ela engoliu a curiosidade em uma máscara de indiferença, e perguntou se poderia tomar um pouco de água, que lhe fora servida sem qualquer hesitação. Após sorver dois copos da água limpa e cristalina - sem nenhuma comparação à água de esgoto que tomara no gulag -, com todos observando atentamente, iniciaram as conversas. Ela teria tomado mais água, mas Baba a impediu sob o pretexto de que poderia sentir enjoo. Ainda estava debilitada, mesmo com todos os cuidados da médica.

A médica contou que fora particularmente difícil salvar os dedos de Zoe, que estavam com início de gangrena devido ao frio extremo ao qual fora exposta. Ela teve que remover uma parte superficial do tecido, o que explicava a sensibilidade que estava sentindo. Em relação às costas, ela informou a Zoe que tinha tanto tecido necrosado que não havia forma de remover cirurgicamente de modo a preservar o tecido vivo. Portanto, ela utilizara larvas de moscas varejeiras, que ficaram agindo durante quarenta e oito horas, para a remoção da pele morta. Ah, então foi isso que deixou Mike horrorizado, Zoe pensou, se recordando do olhar que ele exibira um pouco antes que ela desmaiasse.

-Agora que não está mais correndo risco de morrer, gostaria que ambos fossem embora. Não desejo atrair a SVR, ou qualquer outra agência. - Disse Baba, de maneira prática. - Podemos discutir meu pagamento e como o realizarão antes de partirem, é claro.

Mike estivera calado durante toda a conversa, mas deixou escapar uma risada de escárnio nesse momento.

- Quer dizer que toda aquela conversa sobre o que eu estava disposto a fazer era apenas isso? Conversa? - Disse ele.

- Aquilo foi diversão. - Disse Baba, enquanto observava as unhas nas mãos deformadas. - Como eu disse, não faço caridade. E se quer saber, Zoe salvou a si mesma quando poupou Marianne Zimmer. Não atendo assassinos de crianças. - Ao dizer isso ela não estava mais observando as unhas, e sim olhando fundo nos olhos de Mike.

Depois disso, ninguém falou nada por um tempo. O clima estava tenso, e Zoe não queria fazer mais nada, senão sair dali. Para quebrar o silêncio pesado, decidiu tomar as rédeas da situação e perguntar quanto devia a Baba Yaga por ela ter salvado sua vida.

- Cento e cinquenta mil dólares, não-rastreáveis. - Disse Baba, e Zoe se sentiu aliviada. Achava que seria muito mais caro que isso, portanto fez a transferência de uma de suas contas da Suíça o mais rápido possível.

Zoe vestiu as roupas que uma das sentinelas de Baba ofereceu e saiu de lá com Mike. Quando estavam do lado de fora já estava no final da tarde, e logo escureceria.

Havia muito que precisavam conversar, mas ainda estava se sentindo cansada. Por mais que houvesse ficado três dias desacordada, não estava disposta. Talvez a mesa de aço ao invés de uma cama tivesse algo a ver com isso, ou o fato de quase ter morrido. Mas provavelmente era a junção de toda a fadiga física mais a mental. Era cansativo o jogo da manipulação, das mentiras, da desconfiança.

Assim que embarcaram no carro, Zoe adormeceu. Os remédios a ajudaram a ter um sono sem sonhos, que durou até chegarem em Hrodna, ainda na Bielorrússia. Foram aproximadamente seis horas de viagem. Ela precisava do descanso, mas também tinha que pensar nos próximos passos, decidir de uma vez por todas se Mike a estava enganando ou se realmente a estava ajudando, e talvez ainda mais importante, precisava sair desse continente. Se sentia vulnerável lá.

Mike alugara um quarto para eles em um motel de beira de estrada. A fadiga em seu rosto era notável, e notar isso fez com que Zoe se sentisse um tanto envergonhada por duvidar tanto dele. Desde que ele aparecera sua vida havia virado do avesso, mas ele parecia sempre estar tentando ajudar. Seu instinto dizia que podia confiar nele, mas sua mente insistia em suspeitar de tudo. Ela precisava resolver isso. Mas não agora, por enquanto, o deixaria descansar.

- Durma um pouco, eu fico de vigia. - Disse Zoe, apontando para uma das camas.

- Tem certeza de que não quer descansar mais um pouco? - Perguntou ele, observando-a. Ele realmente me deixaria dormir novamente, mesmo estando tão cansado que se tornou aparente.

- Tenho certeza, já dormi o suficiente. - Respondeu Zoe, assegurando-o de que ficaria bem.

Ele não discutiu, apenas se deitou na cama, de sapatos e tudo, e adormeceu quase que instantaneamente. Ela queria poder passar o tempo todo observando-o, mas precisava se manter atenta, afinal, todas as agências no mundo estavam procurando-a.

Ela se sentou à mesinha do quarto e vasculhou as notícias a procura de informações úteis. Não havia mais tantas matérias a seu respeito, questionando seu desaparecimento de Hot Springs sob circunstâncias suspeitas. O enterro de Gerome e Maurice havia sido há mais de uma semana, enquanto ela ainda estava no gulag. Os pais de Lila fizeram um apelo na TV, pedindo informações sobre a filha. Era de partir o coração. De resto, estava tudo bem com seus outros colegas.

Ela queria pesquisar sobre sua família, mas era muito arriscado. Não queria deixar rastros no laptop de Mike. Portanto, pesquisou notícias da Ucrânia, e ficou satisfeita ao ver uma reportagem sobre o corpo mutilado de um ex-comandante russo que fora encontrado há quatro dias nas margens do rio Dniepre. O nome dele era Anatoli Shevchenko, conhecido por Zoe como Dr. Sádico.

Ela fechou o laptop e foi observar o movimento pela janela. O lugar era muito bonito, com aspectos arquitetônicos medievais e barrocos. Ela estava admirando algumas das construções à distância quando viu uma viatura parar no motel ao outro lado da via. Estava se levantando para acordar Mike quando uma segunda viatura parou no motel no qual estavam hospedados, fazendo o sangue de Zoe gelar.

Ela correu para Mike e o sacudiu, sussurrando seu nome. Ele acordou rapidamente, já em estado de alerta, enquanto Zoe dizia:

- Temos um problema. 

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 07, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

HuntedOnde histórias criam vida. Descubra agora