Dias de crise

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Fechei a cerca devagar tentando não fazer barulho, voltei pra cozinha com a maçã intacta, quando estava indo para meu quarto achei tia Luci bocejando.

           - Bom dia – disse eu com um leve aceno.

           - Como você consegue acordar com disposição as 06:00?

           - Eu durmo cedo ou simplesmente não durmo

           - Não está dormindo de novo? – Tia Luci se vira para mim, ela está com o cabelo bagunçado, vestida em um roupão azul marinho e calçada em pantufas pretas, sua expressão está séria e seus braços estão cruzados, eu conheço muito bem essa posição, é quando ela vai brigar ou me repreender com alguma coisa mas o que mais me deixa mal é porque ela fica com o rosto neutro, eu nunca sei se está brava ou triste, porém não vou reclamar porque fui eu que comecei com essa expressão talvez ela tenha aprendido comigo.

           - Não, eu sempre tenho acordado do nada assim, e sempre quando eu me arrumo, olho no relógio são 06:00. Talvez eu esteja ficando maluca.

           - Não, você não está ficando maluca, eu já tive insônia e ela me desgastou muito por um bom tempo, quando nós dormimos ficamos com a mente relaxada e esquecemos os problemas, o que você está fazendo é se lembrar deles. Mas você não parece estar cansada, não como eu ficava cheia de olheiras parecendo um zumbi.

           - Eu só sinto um pouco de dor de cabeça mas nada além disso. Quando a senhora chegar da fábrica podemos ir na farmácia comprar alguns remédios.

           - Falando em remédios a sua consulta vai ser amanhã as 17:20.

           - Mas já não fomos no mês passado fazer uns 400 exames?

           - É por sua saúde e não me conteste. Vou me arrumar para te levar.

           - Não, tudo bem hoje eu vou
pegar carona com o Adam e a Jane.

           - Você tem certeza? Eu não acho uma boa ideia.

           - Tenho certeza. É Melhor eu ir arrumar minhas coisas, já vai dar 07:00.
           - Tá – A expressão da minha tia é estranha como se estivesse com raiva. Ela me dá as costas e vai falar no telefone. Sempre é assim, toda vez que brigamos mesmo acontecendo uma vez na vida, ela sempre recorre ao seu celular como se fosse o seu porto seguro, não vai adiantar eu falar algo, então vou arrumar as coisas no quarto.
           A minha mochila é leve, a maioria dos livros estão no meu armário, agradeço infinitamente para a pessoa que inventou o armário no colégio porque é simplesmente maravilhoso e evita uma boa dor nas costas.
         Termino de arrumar tudo bem rápido, saio do quarto e não vejo tia Luci, vou para cozinha e vejo um bilhete amarelo na geladeira, ela saiu para uma emergência na fábrica, mais tão cedo? A fábrica da minha tia é de medicamentos, ela me contou que esse sempre foi seu sonho, minha tia se formou em farmácia, mas sempre quis saber as composições dos remédios e como eles afetavam as dores até que ela começou a trabalhar em um laboratório e criou um medicamento que ajudava em dores de cabeça e foi assim que todo o seu sonho se tornou realidade pelo menos foi isso que ela me disse, mas não sei se ainda é um sonho ou se virou literalmente uma dor de cabeça pra sua vida.
         A buzina lá fora toca e eu saio correndo até a porta, olho pro céu de relance que já está no seu azul mais belo. Paro do lado da porta e de repente me vem a seguinte pergunta, eu vou sentar no banco da frente ou o de trás? O Adam já respondendo a minha pergunta, sai do carro e abre a porta do banco da frente, ele está com uma camiseta de futebol americano e calça jeans com tênis, me sento no carro bem devagar, e pego o cinto mas um flash de memória passa por mim e invade a minha visão, o meu pai está no banco de trás do carro comigo, eu choro para não colocar o cinto que apertava meu pescoço, ele sorri e pega um porquinho de pelúcia o que me faz parar de chorar quase instantaneamente, ele beija minha cabeça com um olhar aliviado para a rua e de repente acaba fazendo minha visão voltar. Solto o cinto desorientada, não consigo respirar, preciso sair desse carro, minha garganta está fechada.
Adam acabou de entrar no carro, ele olha pra mim assustado, pego a gola da sua camisa para que ele preste atenção total em mim, para que ele consiga ler meus olhos, menos de dois segundos ele sai e abre a porta correndo pra mim, saio cambaleando, me sento no asfalto, ainda não consigo respirar, enfio minhas mãos na terra no gramado tentando fazer a agonia passar e sinto o molhado e úmido se espalhado entre meus dedos, Adam fica na minha frente, olho para ele com desespero mas ele não pode fazer nada.
- Clark o que aconteceu? – Pego sua mão e aperto sem me importar em suja- lá, o vento frio do outono vem até mim como um presente, puxo o ar devagar e solto, repito isso de novo e de novo até as palavras conseguirem sair.
- Falta de ar – Solto a mão dele devagar e meus olhos agradecem.
- Você tem asma?
- Não. Eu não sei o que aconteceu direito, eu estava indo colocar o cinto e eu vi.... – Olho pro Adam, ele está assustado e suando mesmo nessa temperatura, prometi para mim mesma que não faria amigos, vou tentar cumprir   essa promessa – Uma barata. Eu surto quando vejo uma.
- Uma barata? No carro? Clark ninguém fica desse jeito por causa de um inseto, eu vi como você ficou, estava desesperada parecia que os seus olhos iriam explodir de tanto nervosismo. Vamos a pé, vamos buscar a Jane e ir a pé, a escola é bem perto daqui.
- Mas e o seu carro? A gente não vai chegar a tempo.
- O carro fica aqui sem problema nenhum, no final da tarde eu pego ele e dá tudo certo. Agora que são 07:15. Vamos – Ele pegou minhas duas mãos e me levantou da calçada, o olhar dele ainda estava bem preocupado quando saímos andando pela rua. – Clark você tá bem mesmo?
- Claro que estou, só foi uma barata mas eu estou bem, vou te provar – Dei uma estrelinha e corri um pouco e me virei pra ele com um sorriso de viu só? Eu te avisei. Estava tentando disfarçar, só disfarçar, não queria preocupar ninguém, ainda sentia um leve tremor nas minhas pernas.

- Clark eu sei que você perdeu seus pais em um acidente de carro. Desculpa ter falado sobre ir de carro acho que isso ainda te traz trauma. – Todo o sorriso que tinha no meu rosto desapareceu, senti a leve dor pontiaguda na boca no estomago que aquele assunto me trazia. 
- Como? Porque você quer falar desse assunto? – Minha voz estava alterada, talvez eu estivesse gritando mas não ligava, eu odiava falar sobre isso porque doía e essa dor era só minha, eu não poderia confiar em ninguém para falar sobre isso porque eu não quero criar laços, porque eu não posso perdê-los.
- Clark... - Virei as costas para ele e continuei andando, só ouvi os seus passos atrás de mim até chegarmos na casa da Jane. Uma coisa ardia no meu peito e eu não sabia se era dor ou raiva.
        Jane chegou saltitando com sua jaqueta preta, blusa verde escura e legue, ela olha pro Adam e depois pra mim, se perguntando onde estava o carro e talvez porque nossos rostos estavam tensos, ela simplesmente se juntou a nós sem se importar com as perguntas que estavam pairando no ar e continuamos andando até a escola.
 
 
 
 
 
 
 
 

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