Um ato de cuidado

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Caio da cadeira e dou de cara direto com o gramado, meu rosto está pegando fogo, juntamente com os meus braços, eu só consigo arfar várias vezes ainda deitada no gramado que está frio. Tento me levantar e meus braços tremem, não vou conseguir levantar, então ando de quatro até a cozinha e tento me segurar no balcão com a mãos ainda tremulas, me levanto centímetro por centímetro até conseguir me colocar totalmente de pé.

Fui me segurando em cada móvel na minha frente até chegar no meu quarto, vou até minha escrivaninha e pego meu celular e com os dedos trêmulos ligo pro segundo e último número na minha lista telefônica. Fechei meus olhos e fiquei torcendo para que ela atendesse.

- Alô, Clark? – Disse uma voz cansada, doce mais principalmente conhecida.

- Senhora Sophie? Eu pensei que esse era o número da tia Luci, devo ter me enganado.

- Não tem problema se enganar meu amor, está tudo bem? Nunca costumo receber ligações esse horário.

- Que horas são?

- 06:00 da manhã – Dou um tapa na minha testa, como eu sou idiota.

- Mil perdões, eu não sabia de verdade que era esse horário, não iria incomoda- lá tão cedo, principalmente na sua aposentadoria. – O que eu ouvi depois foi uma doce gargalhada que sempre me trazia calma.

- Ah Clark você é uma garota tão engraçada, aposentar, até parece que eu iria conseguir ficar em casa tricotando e dando comida para gatos, eu amo ensinar e essa sempre vai ser minha paixão, eu continuo trabalhando mas não tanto quanto antes é claro. – Fiquei surpresa com a afirmação da minha antiga professora, ela era uma pessoa de muita garra, única e espetacular, as vezes ela tinha uma força que eu nunca conseguiria ter.

- Eu tenho que desligar, tenho que falar com minha tia ela tem que me levar na escola.

- Ela passou a noite na fábrica de novo? – Perguntou minha professora já sabendo a resposta.

- Sim e ela não atende o telefone, preciso falar com ela não estou me sentindo muito bem.

- Você precisa de ajuda? Sua tia não tem jeito mesmo, vou até aí.

- Não preci... – Mas antes de eu terminar ela já tinha desligado. Tentei ligar pra minha tia mais uma vez mas caiu na caixa postal.

Fiquei com raiva, toda vez que precisava verdadeiramente da minha tia nunca podia contar com ela. Minha pele ainda queimava, fui até o banheiro, quando olhei o meu rosto no banheiro ele estava vermelho como um pimentão e ardia e pinicava como nunca. A primeira coisa que fiz foi entrar no chuveiro, com roupa e tudo, liguei ele no máximo e me enfiei lá dentro, minha pernas ainda tremiam, estava com muito medo de cair e escorregar então me sentei no chão molhado, aos poucos minhas roupas já haviam encharcado, grudadas na minha pele áspera, levantei a minha cabeça em direção ao jato deixando as gotículas descerem por meu nariz e pescoço.

A água naquele momento era estranhamente acolhedora, encostei a cabeça na parede e senti a agonia passar milímetro por milímetro e aos poucos fui recuperando a força que quase não existia nas minhas pernas para tentar ficar de pé, minhas mãos estavam molhadas e escorregadias mas pelo menos elas me deram uma certa estabilidade, sai do chuveiro molhando tudo que via pela frente. Ouvi o som de alguém batendo freneticamente na porta, andei o mais rápido que consegui com minhas pernas de gelatina e abri a porta, era a senhora Sophie parada, com os braços segurando uma cesta de piquenique enorme. Ela estava estática ao me perguntar:

- O que aconteceu com você? – Minha respiração ficou agitada por um segundo antes de responder, tinha acabado de me lembrar que estava toda encharcada e descomposta, com certeza ela iria discutir com minha tia mais tarde.

- Eu estava tomando banho. – Talvez aquela resposta não a convence-se mais por hora era a única coisa que eu tinha.

- De roupa? – Ela me olhou com a testa levemente franzida e a sobrancelha arqueada, o que me fez pressionar com um pouco mais de força a maçaneta da porta ainda aberta pra ela. Dei um passo pra trás abrindo espaço pra ela passar e dando um leve sinal de encerramento para aquela conversa sem sentido. Ela entrou ainda com as sobrancelhas levantadas colocando a pequena cesta na mesa da cozinha.

Dei um leve suspiro antes de fechar a porta, um suspiro baixo e de alivio.

- Clark, vá trocar de roupa. – A minha professora poderia ter várias linhas de expressão, um olhar cansado e até cabelos brancos como algodão mas eu ainda á respeitava como ninguém e ela sempre me dava um leve calafrio quando usava sua voz de vó autoritária e mandona. A única coisa que fiz em resposta foi dar um pequeno sorriso e me virar em direção ao quarto.

Acabei molhando todo o corredor que ficava entre meu quarto e a sala, escutava as gotas do meu cabelo entrando em contato com o chão causando um eco no corredor enorme, cheguei no quarto já procurando algo pro colégio, peguei uma blusa verde de mangas curtas, uma jaqueta jeans e minhas amigas calças. A minha blusa ainda estava ensopada e grudada na minha pele, tentei tirar - lá mas senti uma pontada de dor no meu braço, acho que foi dá queda no gramado, tentei tirar tudo o mais rápido que consegui mas a roupa parecia um chiclete grudado na sola de um sapato, consegui vestir uma roupa seca depois de uns longos cincos minutos, sai do quarto com uma toalha pendurada no ombro tentado amenizar o estado do meu cabelo ensopado. Fui até a cozinha e vi senhora Sophie tirando da sua cesta com tantas vasilhas que não pude contar.

- Não fique só olhando querida, venha comer.

- Pra quê tudo isso? É muita comida!

- Na verdade não é não, queria ter feito algo mais digno mas a única coisa que deu pra trazer foi isso. – O que ela queria dizer com “isso” eram várias vasilhas com o mais diversificado tipo de comida, como bacon feito hoje de manhã, ovos mexidos, suco de laranja e um enorme pedaço da sua torta de morango com biscoito.

- Uau, estou sem palavras. – E realmente estava, fazia tempo que não sentia aquele cheiro, o cheiro daquela comida, o cheiro daquela palavra de tanto significado, a palavra “amor”.

- Mas não deveria, você deveria comer dignamente todos os dias, sua tia tem uma empresa enorme e tem condições de ir no supermercado e comprar alimentos que não sejam congelados e com gosto de petróleo. – Ela realmente estava brava, então tentei fazer uma piada pra tentar distrai-la do assunto.

- Que eu saiba a senhora nunca comeu petróleo – Funcionou por uns dois segundos fazendo ela relaxar um pouco o rosto.

- Isso não vem ao caso e coma antes que esfrie, vou ter uma conversa com aquela mulher quando ela ousar pisar os pés de novo nessa casa, olhe pra você, chega está pálida. – Ela passou levemente a mão em meu rosto o acariciando como se fosse feito de porcelana. Eu me arrepiei com aquele ato de carinho que era tão amoroso que doía e era tão estranho que dava medo. Minha tia sempre cuidou de mim como uma mãe mas ela sempre se limitava em me abraçar com medo de que se fizesse alguma outra coisa e eu me lembra- se daquilo que tanto queria esquecer – Coma tudo e termine de se arrumar pra o colégio, ok?

- Ok. – Foi o que eu disse antes de ela abaixar de leve a mão e ir procurar algo na geladeira. Ela sentiu meu desconforto, sei que sentiu, aos poucos sei que vou compreender o que é realmente e com todas as forças se preocupar com alguém.

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