▪Capítulo 2▪

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Me apoio na árvore torta de madeira branca e de folhagem vermelha cereja. Não tenho o conhecimento do seu nome ou espécie, mas basta olhar para saber que é rara. As folhas parecem camurça e o tronco branco é como se possuísse respingos de tinta preta. Tem um rio a minha frente, a água cristalina mostra o fundo, os peixes nadam com tanta maestria. Eles realmente foram feitos para isso. Sento e me inclino para beber a água; lavo as mãos sujas de poeira e bebo o líquido transparente que molha minha garganta, fazendo-me sentir-me revigorada.

Depois de saciar minha cede, me recosto na árvore e respiro cansada. Muito bem, tenho que ver minha perna. Abaixo a cabeça para olhar e está muito pior do que eu pensava. A carne está à mostra, envolta está ficando roxo, é como se um animal selvagem tivesse rasgado minha panturrilha. O sangue tinha coagulado, mas começou a escorrer de novo por causa dos esforços que fiz.

Estico minha mão para ver melhor, mas a recolhi no mesmo instante vendo as tatuagens na mesma; são flocos de neve e penas que envolvem meu braço em espiral até o cotovelo, no dorso da mão até a ponta dos dedos é como se os flocos e as penas estivessem se fragmentando à nada, na palma da mão um pássaro, o rabo era grande como os de pavão. Analiso melhor o animal e percebo ser uma fênix. No outro braço se repete o processo. Envolta do braço perto do ombro esquerdo dois círculos em forma de espinhos está ali, e no direito o mesmo círculo mas em forma de flores. São bem interessantes, mas não me lembro de ter feito essas tatuagens.

Fecho os olhos e tento me lembrar de algo, qualquer coisa, qualquer mínima coisinha. Nada, nada. Solto o ar irritada e fecho minhas mãos em punhos. Bebo mais um pouco de água antes de me levantar e continuar a encontrar alguma aldeia.

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A lama das ruas do pequeno vilarejo sujam ainda mais meus pés descalços, e cacos de vidro os cortam; as pessoas me encaram estranhas, como se tivessem desprezo e raiva, mas porquê? O que eu fiz a elas? Vou até algumas casa, mas antes de eu conseguir falar eles batem a porta em minha cara, outros me xingam antes de fechá-la.
Abraço meu corpo me sentindo exposta; o vestido fino branco que uso de comprimento até os joelhos está um pouco rasgado e sujo de lama. Talvez seja por cousa de minha roupa.

Me encosto em uma parede de pedra mucosa e tento segurar o choro, porém algumas lágrimas teimam em cair. Não tenho para onde ir, e aparentemente não conheço ninguém aqui, estou perdida. Enxugo as lágrimas quando vejo alguém parando em minha frente. Ergo minha cabeça e encaro a mulher de cabelos ruivos e mechas douradas, seus olhos castanhos me analisavam com atenção, a manta que cobria seu corpo negro agora cobre o meu corpo; ela sorri e me estendo o braço para que eu me apoie

— Venha querida — A senhora me guia pelas ruas lamacentas, e pingos de água fria começam a cair do céu. As pessoas se movimentam mais rápido procurando abrigo da chuva.

Entramos em um estabelecimento pelo que parecia ser a porta dos fundos; uma cozinha surge em meu campo de visão, a mesa de madeira no centro possuía frutas, flores e pães em cima dela. Minha barriga roncou de fome e minha boca se encheu de água.

— Você esta com fome querida? — Assenti sem encarar a mulher — Lave suas mãos na pia, que eu preparo algo para você comer esta bem? — Assenti mais uma vez e me dirijo ao local indicado pela mulher. Abro a torneira e a água fria toca minhas mãos; posso o sabão umas três vezes antes de decidir que estão realmente limpas. Me coloco ao lado da mesa e observo a senhora com mais atenção; seu vestido azul escuro toca o chão, as mangas vão até os cotovelos e a gola U deixa à mostra seu colo onde tem um colar de ouro com um pingente de um lírio d'agua. Ela se aproxima de mim e coloca o prato de sopa na mesa, o cheiro está esplendoroso; me sentei e começo a comer e estava simplesmente delicioso. Encaro a mulher e sorri para ela

— Obrigada — Digo a voz falha e um pouco rouca. Volto a comer a sopa.

Depois que me alimentei e bebi bastante água a senhora cujo o nome é Lírio — ela disse que tem esse nome pois sua mãe era maluca pela flor, e como ela morreu no parto o pai deu a filha o nome da flor preferida de sua esposa — me levou a um quarto onde tomei um banho e onde ela me ajudou com meus ferimentos. Ela termina de enfaixar minha perna que machuquei enquanto a tirava de baixo da viga.

— Vou buscar algo para a dor — Anuncia e sai do cômodo. Cubro mais meu corpo com o roupão e me levanto da cadeira, traço o caminho lento até o espelho emoldurado de madeira desgastada e encaro meu reflexo; retiro o roupão revelando uma camisola preta e babado em dourado na barra. Meu corpo está magro, meus braços tão finos, e eu não sei se a cor de minha pele é assim ou se é porquê estou pálida das horas que fiquei sem comer, a cor de meu cabelo é branco como a neve, e meus olhos têm uma coloração diferente, são violetas ametistas e ajuda a realçar meus cílios e as sobrancelhas.

A porta se abre e Lírio entra com um copo de água e o que parece ser um comprimido na mãos; ela os entrega a mim e os consumo. Deixo o copo na mesinha que tinha e ela me ajuda e me deitar na "cama improvisada" como Lírio a chamou, mas para mim estava perfeita.

— Agora descanse, amanhã veremos o que vamos fazer com você — Concordei e me cobri com a colcha preta —  Eu ainda nem sei seu nome — Abro minha boca para responder, mas o som não sai, pois acabo de perceber que eu mesma não sei meu nome, eu não sei quem eu sou

— Eu não sei qual é meu nome — Sussurro com o cenho ainda franzido. Lírio faz o mesmo, mas depois sorri dizendo "que tudo bem", porém não estava nada bem.

Quem infernos nevados eu sou?

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Corte de Morte e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora