Acordei ao alvorecer, e como não sabia o que fazer fiquei deitada olhando para a paisagem além da janela e pensando em quem sou. Não sei meu nome, não sei de onde vim e nem sei se tenho família. É como se minhas memórias tivessem sido apagadas.
Ouço uma batida na porta que logo é aberta, Lírio entra com um copo de água na mão
— Beba querida, você precisa se hidratar — Fala me entregando o copo. Bebo o conteúdo e lhe entreguei o objeto
— Obrigada — Digo secando os lábios.
Não tinha percebido que em sua outra mão havia roupas limpas
— Troque de roupa para fazermos um novo curativo em sua perna — Assenti e com a ajuda dela me levantei.
Ela saiu me dando privacidade. Retiro a camisola e observo meu corpo esguio no espelho, magra demais. Visto o vestido azul escuro de manga longa e coloco a sapatilha preta; meu cabelo ainda está um pouco embaraçado e por isso o prendi no alto da cabeça em um coque.
Alguns machucados já cicatrizaram, mas o de minha perna ainda não. Lírio voltou em alguns minutos com uma caixa de primeiros socorros e começou a trocar os curativos; o líquido preto que ela passava em cima da ferida ardia pra caralho.
Assim que minha perna está enfaixada fomos para a cozinha e tomei um maravilhoso e delicioso café da manhã que ela preparou para mim. Outras mulheres se sentaram junto a mim e a Lírio, e as perguntas que fizeram a mim respondi com sinceridade: Que eu não sei. Mas bem que eu queria saber. Não saber quem é e nem seu próprio nome é perturbador.
Com a mais pura certeza estarei eternamente em dívida com Lírio por me oferecer um lugar para ficar, contando que eu ajude na pousada, o que para mim é ótimo; lavar os pratos, varrer o chão, preparar as mesas da pequena lanchonete antes do café da manhã, almoço e jantar.
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Retiro a panela suja do fogão e a levo para a pia; com a bucha e o sabão a limpo de modo que Allia me ensinou. Allia é a responsável pelo alimento, ela é uma cozinheira muito habilidosa; hoje no almoço experimentei sua comida, e é simplesmente deliciosa.
— Ynara, você pode ajudar Danlo a arrumar as mesas para o jantar? — Assenti e ela pega a panela para terminar de limpá-la. Como não sei meu nome, Lírio me deu um, e eu gostei desse nome.
Passo pelo corredor indo para a recepção, aceno para as duas feéricas — espectros laranjas — atrás do balcão e segui para as duplas portas de madeira e vidro onde fica a sala de refeições para as pessoas hospedadas. Abri as mesmas e vi Danlo as arrumando; me aproximei dele e peguei alguns forros o assustando; sorri em resposta a um pedido de desculpa.
— Tudo bem Ynara, eu desculpo você — Agradeci com um aceno e com um sorriso nos lábios.
Me dirijo a uma mesa nua e a cubro com a toalha vermelha. A cor me faz lembrar do sangue escorrendo pela minha perna ferida, e começo a ficar enjoada; afasto esses pensamentos e me concentro em pensar que já está quase cicatrizada. Em cima da mesa coloco um pequeno vaso de flor do campo branca; Danlo depois colocará os talheres.
Me sento em uma das cadeira e estico minha perna, o machucado está latejando e posso ver uma pequena mancha de sangue, respiro fundo e fecho os olhos
— Tudo bem? — Ouço a voz de Danlo ao meu lado. Assenti arrumando minha postura — Quer que eu chame a Lírio? — Neguei, não quero dar mais trabalho, eu só preciso descansar dois minutos e voltarei ao meu serviço.
Eu sei que é falta de educação não responder quando alguém faz uma pergunta direcionada a você, mas sempre que tento falar algo minha garganta arde, dói.
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Coloco o lixo para fora e sinto o ar frio tocar minha pele, o inspiro e meu corpo o recebe como um vento da primavera. O inverno chega semana que vem e as pessoas já começam a se preparar para a tempestade de neve que cai na região; serão três meses de puro inverno rigoroso.
Vejo Lírio se aproximando com sacolas nas duas mãos, e me apresso para ajudá-la
— Não precisa querida, eu consigo levar até lá dentro — Fala tentando pegar de mim as sacolas que retirei de sua mão direita.
— Eu ajudo — Minha garganta arranha e a voz sai rouca como se eu tivesse gritado por anos.
Coloco as sacolas na mesa e começo a retirar o que tem dentro para guardar.
Allia costuma contar histórias enquanto faz as coisas, e fico impressionada em como ela consegue lembrar de todas essas memórias, algumas são criadas por sua própria imaginação como ela disse que contaria agora uma história que ela está escrevendo, e se chama: A Garota das Árvores de Ouro. É maravilhoso o modo como ela conta os detalhes e descreve as coisas; Allia com certeza leva o jeito para ser escritora.
— Então Finia buscava as respostas no lugar errado? — Danlo pergunta confuso com o fim da primeira parte que ela contou
— Sim — Respondeu tomando um gole de vinho
— E o que mais? — Ele pergunta querendo saber mais assim como os outros
— Só amanhã agora — Os demais resmungão querendo agora a continuação o que faz Allia rir. Lírio aparece na porta da cozinha e me encara. Sorri para a senhora Allia e acenei dando tchau para ela, que repetiu o movimento.
Caminhamos no meu ritmo até o quarto onde meu banho já estava pronto. Retiro o vestido e me sento na banheira, Lírio se senta em um banquinho ao lado da banheira e pede que eu coloque meu pé para fora e o apoie na borda; foi o que fiz. Ela analisa o ferimento e passa algumas ervas que ardiam demais, e depois passou um unguento preto que foi o fim para mim, arfei alto com a dor e me segurei para não gritar. Era como se comece a carne e chupasse o sangue.
Lírio segura minha perna para que não a mexa muito, mas é impossível não me mover com essa ardência; e com um piscar de olhos parou.
— Isso ajuda na cicatrização — Conta agora pegando um pano úmido para limpar o local sujo de preto.
Terminei o banho e vesti a camisola que Lírio trouxe. Após ela enfaixar a perna me ajuda a deitar
— Boa noite Ynara — Fala dando um beijo em minha testa
— Boa noite — Respondo com a voz arranhando a garganta.
Me virei para a janela assim que ela saiu e pensei em como era minha vida antes de perder a memória, sempre no decorrer no dia me pego pensando nisso, mas como sempre ocupo meus pensamentos com os afazeres não penso muito, mas agora anoite com a mente limpa e tranquila para dormir, os pensamentos vêm com tudo.
Minha família me amava?
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Corte de Morte e Ascensão
FantasiApós sua morte, seu irmão assume o trono de Walisshyan, com o objetivo de governar para sempre. Mas assim como a guerra chega ao fim, a tranquilidade também tem seu limite. Ela está viva, respirando o ar novamente, sentindo o cheiro do mar, da flor...