▪Capítulo 4▪

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Duas semanas depois

A neve tomou conta da aldeia, as pessoas estavam todas com roupas de frio que cobriam até o rosto deixando apenas os olhos descobertos, mas estranhamente eu não estava com frio. Uso apenas uma blusa rosa de crochê de manga longa e uma calça de lã. Não entendo, porém penso que isso pode ter haver com minhas tatuagens.

As casas e lojas estão com tantas lenhas nas lareiras que a fumaça parece poluir o ambiente. Lírio disse que fica bem pior, o inverno fica bem mais rigoroso podendo cobrir até o alpendre das casas.

Termino de cortar os legumes que Allia me pediu e os coloco na panela, sua agilidade em preparar os alimentos não só para os hóspedes, mas para nós também é muito impressionante. Coloco a faca na pia e me sento na cadeira novamente; minha perna está latejando e Lírio está mais do que preocupada, ela disse que o machucado já era para ter se curado por causa da regeneração dos feéricos, mas digo a ela para parar de se preocupar atoa, porquê desde que o inverno começou senti que estava melhor.

— Tudo bem Ynara? — Allia pergunta enxugando as mãos no pano branco

— Sim, eu só preciso de um minuto — Digo esticando a perna. Ela assente voltando ao seus afazeres.

Minha voz estava bem melhor, já conseguia falar com mais facilidade e não arranha muito a garganta também, mas a cor da minha pele não mudou, continua a mesma, branca como a neve que caia lá fora. Cada floco com sua própria aparência, cada um de um jeito diferente e único, tão belos quanto as folhas do outono.

Levanto-me e vou até o salão de refeições dos cliente para ajudar a arrumar as coisas, não costumo ajudar muito lá, mas gosto de ser útil. Lírio estava arrumando as flores nos jarros, que estão ficando lindos, apenas ela consegue fazer com que eles fiquem assim.

— No que posso ajudar? — Pergunto me aproximando dela. Lírio se vira para mim surpresa

— Você deveria estar descansando — Fala me analisando dos pés a cabeça

— Eu estou bem, é sério! — Digo segurando os braços dela. Seu sorriso vacila um pouco como se não acreditasse muito nisso, mas mesmo assim lhe asseguro que estou bem. O que era quase verdade, eu já conseguia falar melhor, ando sem segurar nas coisas e não sinto mais a dor que sentia na perna.

Depois de tanto insistir ela deixa eu mexer com as flores. A delicadeza com que tem que manusear e a leveza para não amassar as flores é iimpressionante; ela faz isso como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Passo a fita azul com cuidado pelas folhagens e tento dar o laço. Afasto-me um pouco para ver melhor, e não posso dizer que ficou ruim, mas não ficou perfeito como os que a Lírio faz. Olho mais atentamente para o laço, e percebo um dragão em detalhe na fita.

Fecho meus olhos com força e aperto minhas mãos em punhos; uma dor de cabeça me atinge do nada me obrigando a procurar algo para me apoiar, mas não o faço, não posso demonstrar para ela que tem algo errado. É apenas uma dor de cabeça.

O som de algo se quebrando chamou minha atenção, o vaso de vidro estilhaçado no chão e Aniha desmaiada deixou todos em um alvoroço. As meninas estavam eufóricas indo de um lado para o outro, conversando alto demais, e deixando pouco espaço para Aniha respirar. Elas estão à sufocando.

Apertado demais, pequeno demais, os destroços em cima de mim me deixando sem ar; começo a sentir a falta dele, meus pulmões perdendo o ar, me deixando com a garganta fechada.

Não consigo respirar, não consigo respirar.

E isso fez com que a dor na cabeça apenas aumentasse mais. Era como uma lâmina atravessando meu crânio, que descia para o peito. Minha visão começa a ficar turva, o lugar estava ficando como um cubículo minúsculo que não cabe uma mosca. Preciso de ar, preciso sair daqui.

No caminho para a saída esbarrei em algumas das meninas que tentaram me segurar, mas Aniha ainda estava desacordada, então me deixaram prosseguir. Com dificuldade encontrei a saída, e o vento frio do inverno me atinge como cócegas.

Parecia tudo muito rápido ou muito lento, não dava para diferenciar minha velocidade, só sei que ainda me faltava ar, e a cabeça doia cada vez mais.

Na lua de gelo, foi o dia de sua volta. Na lua de sangue, eu, a própria Mãe lhe trouxe de volta. Você precisa se lembrar, precisa acordar do transe. Você precisa voltar, tudo será destruído se resistir e fugir. Por favor volte, volte para seu povo e nos salve.

Essa voz... Essa voz na minha cabeça parecia como um sussurro, não compreendia nada, era como o vento tentando dizer algo. A dor não passava, minha perna também começou a doer, não conseguia ver quase nada além de borrões.

Desespero, isso é desesperador. Socorro, socorro, por favor, alguém me ajude.

Não sinto nada além da neve em meus pés descalços; floresta, eu estava na floresta. Sem saída. Paro de andar respiro e respiro, tenho que me acalmar, pensar. Mas a dor não passa, porquê não passa? Fecho os olhos e tento me concentrar em algo que não seja na dor.

Você precisa retornar, todos precisam que...

Gritei o mais alto que pude, isso está me matando. O silêncio, o vazio, essa voz, a dor. Coloco minhas mãos na cabeça e deixo o choro vir. Porquê isso esta acontecendo, porquê isso não para?

O vento sopra mais forte, a neve parece aumentar, mas o frio intenso não me causou nada. Afundei meu rosto na neve e deixei as lágrimas caírem. Meu coração estava doendo como se tivesse algo o atravessando.

O ar estava voltando aos poucos aos meus pulmões, mas minha visão ainda continua embaçada, não importa, preciso voltar para a aldeia é muito perigoso ficar aqui sozinha. Reúno todas as minhas forças e me levanto, agarro-me nas árvores e busco algum caminho. O silêncio é absurdo ao meu redor, e a cada passo a dor em minha cabeça parecia ficar mais intensa.

Perco o tato da madeira das árvores e sigo às cegas sem nada para me apoiar, o machucado em minha perna está sangrando novamente, consigo sentir o líquido escorrendo, as gotas pingando no tapete branco gelado.

— Pare. — Escuto uma voz rouca e sombria como as trevas, e parece tão distante. — Não dê mais um passo. — A voz é autoritária, mas não passa de um sussurro.

Viro-me procurando o tal portador da voz, mas não vejo nada, é como se ele não existisse, como se fosse apenas uma sombra.

Paro bruscamente e levo minhas mãos ao peito arregalando os olhos, a presença é de uma espada sendo cravada em meu coração, mas ela não está realmente aqui... É... Apenas uma sensação.

O breu toma conta de mim, e o chão não estava mais sob meus pés. Eu estava caindo, caindo de um penhasco.

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Corte de Morte e AscensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora