Laranja é a cor das memórias;

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Palavras de baixo calão, apologia a depressão, tentativa (falha) de suicídio;

Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes que julgar necessárias! ♡
>> Tenha uma boa leitura:)

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Laranja é a cor das memórias;

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Giordano fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo o cheiro de asfalto molhado e fumaça do fim de tarde. Sentia-se exausto, os músculos rangendo em dor a cada passo dado.
O clima nublado, misturado à poluição da cidade grande, trazia uma espécie de névoa ao ofuscar as luzes de prédios, faróis e carros à distância. Mais algumas falhas no asfalto e o cenário facilmente poderia ser inserido em um filme pós apocalíptico.
Deprimente, melancólico. Transpirando exaustão a cada buzina, breque e acelerada que jorrava água suja para cima de pedestres.
Giordano estava bêbado. Tinha consciência ao menos daquilo.
Por fim, continuaria sem possuir completo controle sobre as decisões tomadas naquela noite em meados de agosto, anos atrás.
Tentou outro suspiro. Sua garganta parecia se fechar a cada respiração, queimando com o sabor amargo do álcool que ainda contaminava o corpo, mente e sanidade.
A avenida não estava movimentada como o horário de pico normalmente se apresentava. Os eventuais carros que passavam, atingiam entre sessenta e sessenta e cinco quilômetros por hora, pneus chiando contra o asfalto molhado.
Letais.

Parado na calçada, o corpo inteiro parecia balançar a cada lufada de ar causada por um automóvel seguindo o próprio caminho.
Chutou a pequena pedra perto de seus coturnos, observando-a atingir um pneu alheio com um suave "téc" antes de ricochetear para fora de seu campo de visão.
Levantou o rosto para o céu e sentiu a garoa cortante, típica do inverno, castigar a pele exposta em seus ombros e clavícula.
Os olhos azuis sem brilho observaram conforme o carro de luxo, dirigido por algum playboy inconsequente, aproximava-se acima da velocidade permitida.
Engoliu com dificuldade, os lábios entreabertos, e então estendeu uma perna, preparado para cambalear até o destino sangrento de ter as entranhas grotescamente expostas sobre capô preto-fosco.
Giordano murmurou uma prece sarcástica e lançou o corpo para frente.

"'Cê vai querer carona, Gio?"
Victor bateu na porta do banheiro de Giordano com os nós dos dedos.
O jovem piscou algumas vezes, afastando-se do chuveiro o suficiente para seus olhos não arderem na água corrente.
"Não."
Respondeu em voz rouca, ainda atordoado pelas próprias memórias.
"A Leah meio que mandou eu te levar, então é mais... Um comunicado do que uma pergunta."
Victor explicou de maneira envergonhada.
"Ah, vai arranjar um namorado e para de me encher o saco, Victor."
Giordano exclamou do box, aderindo seu sotaque italiano inconsciente.
"Eu vou ligar o carro em dez minutos, se não 'cê se atrasa pro primeiro dia!"
O colega de apartamento cantarolou por cima dos xingamentos em outra língua, afastando-se ao confirmar que Giordano estaria presente no café onde Leah havia, com seu charme misterioso, arranjado uma vaga para o irmão.

"...Bota o cinto."
Victor ordenou assim que Giordano se sentou no banco do carro caindo aos pedaços.
"É, tipo, duas quadras daqui."
Giordano se queixou, irritado.
"'Cê não vai pular do meu carro."
Discutiu o amigo.
"Eu não ia, Victor."
"Bota esse cinto."
Victor sibilou, encarando conforme Gio colocava o cinto em um gesto bruto.
"Que inferno."
"É, não é fácil ser ameaçado dos dois lados mas eu dou o meu melhor. Bora."
Victor tamborilou no volante ao som do rádio.
Giordano encostou a cabeça contra o vidro da janela com um suspiro, olhos azuis brilhosos ao observar as ruas pelas quais dirigiam. Victor não tinha certeza de quando havia visto o amigo sair do apartamento pela última vez.
Giordano parecia absorver cada cor, detalhe e som do exterior, como um cão velho em sua última visita ao veterinário. Victor diminuiu a velocidade do carro, permitindo que aproveitasse o passeio por alguns minutos a mais.
Durante o trajeto, eventualmente checava as reações do outro, como aquela sua típica risada, discreta e sarcástica, ao assistir uma criança tropeçar e espernear após derrubar seu sorvete na calçada.
Continuou a lançar olhares entretidos ao colega de apartamento até o momento de ser flagrado e quase lançar o carro na contra-mão, num infantil troca-troca de empurrões e puxões de cabelo.

Beijos na esquina da Rua CintilanteOnde histórias criam vida. Descubra agora