Fogos de artifícios, girinos e borboletas

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Piadas de conotação sexual, linguagem sexual explícita, cena "nsfw"

Prossiga com cuidado, colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

>> Tenha uma boa leitura:)

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Capítulo catorze: "Fogos de artifícios, girinos e borboletas"

"quer um encontro no réveillon?"

"sim :))"

Os dias que restavam até a véspera de ano novo continuaram arrastados e torturantes, um após o outro trazendo o ar quente e seco do verão de São Paulo.
Gio piscou uma ou duas vezes, de modo sonolento e hipnotizado pelo girar quase inexistente do ventilador no teto de seu quarto. Continuava o mesmo ambiente fechado e imerso em tons de azul escuro, cinza e preto, lar de não só mosquitos em seu guarda-roupas como uma coleção interminável de copos meio-cheios-meio-vazios, canecas e embalagens descartadas de barrinhas de cereal.
"Ughh..."
Grunhiu, passando a mão por seu rosto e a largando de volta ao lado do corpo.
"Quantos dias faltam? Três? A gente combinou o endereço e a hora, e eu nem sequer recebi uma foto sem camisa. Fora que ele não me mandou mais mensagem depois disso..."
Suspirou mais uma vez, os olhos acinzentados rolando pelo quarto até se fixarem na caixa sobre sua escrivaninha.
Esforçando-se muito para não propor um interrogatório completo após descobrir (graças a Victor) sobre o encontro do gêmeo com o amigo de infância que dividiam, Leah levou a pesada e empoeirada caixa à portaria do prédio dos dois e se foi sem ao menos aceitar um café.
Talvez estivesse magoada por ser deixada no escuro, sem direito às fofocas sobre a vida semi-amorosa do irmão.
Agora, a caixa o encarava e seduzia com seu cheiro de armário, repleta de memórias enterradas sob uma camada de concreto, trauma e autopreservação no fundo do cérebro de Gio.
"Eu lembro muito vagamente do rosto dele."
Pensou sozinho, sentindo-se pressionado pelos álbuns de fotos ali guardados como se estes pudessem voar de dentro da cápsula do tempo e lhe dar alguns bons tapas nas bochechas, acordando-o para a realidade de modo bruto.
Deveria, antes de passar os dedos pelo papelão empoeirado, aceitar o fato de que aqueles anos não voltariam por completo, mesmo se as memórias o fizessem.
Não poderia mudar os vinte e dois anos já gravados em sua pele, coração e cérebro. Muito menos recuperar o estrago em seu fígado, rins e pulmões.
Era tarde demais, também, para lavar o sangue seco debaixo das unhas.
Precisaria aceitar que o trauma estaria ali, presente e pairando sobre cada foto de infância, não importasse o contexto retratado. E este sim poderia lhe trazer a ânsia de vômito, a bile subindo pela garganta e queimação na boca do estômago como um polvo rastejando seu caminho para fora.
Com o rosto de seu pai recortado ou riscado das fotos, André serviria de representação para aquela época, fosse no seu eu de doze anos ou na pessoa que havia se tornado.
Gio, agora curvado sobre a escrivaninha, pousou os dedos no papelão pintado de verde-pistache, a boca já tão seca quanto a pele em contato com a poeira.
"Isso me mata por dentro há anos, mesmo que eu não lembre de muito. Eu lembro da dor, e da angústia. Lembro da Leah sempre briguenta, da minha mãe chorando e do André servindo como um escape nisso tudo.
Contextos específicos eu não posso citar, mas... Eu sei que poucas coisas já me fizeram enxergar qualquer brilho ou luz estando sempre tão fundo na água, como o Gui dizia.
Minha piscina pessoal de traumas e dores."
Ele respirou fundo, retirando a tampa da caixa e a colocando de lado para examinar seu conteúdo.
Algumas folhas e flores secas estavam dispostas sobre a pilha de álbuns, já esfareladas e sensíveis ao toque. Ele as colocou sobre a tampa, grunhindo quando uma das folhas se desmanchou sob seus dedos, apesar da delicadeza e lentidão com que havia tentado manusear o ato.
O primeiro álbum de fotos era etiquetado "Novembro 2003" na letra caprichada de sua mãe, junto da legenda "Festa a fantasia - Seis anos". Gio forçou um sorriso torto e leve, quase invisível na penumbra do quarto.
"Não lembrava dessa festa."
Murmurou, sentando-se na borda de sua cama com o álbum no colo para inspecionar seu conteúdo com todo o cuidado que poderia na hora de folhear as páginas bege de detalhes brancos.
"Giordano, Leah e André vestidos de três mosqueteiros" era a legenda da primeira foto. O nome morto de Leah havia sido coberto com corretivo e então substituído por seu nome social em caneta roxa.
Na fotografia, André tinha o rosto escondido pelo enorme chapéu da fantasia, uma risada sapeca aparecendo por baixo deste. Ao seu lado, Gio tentava ajeitar seus enormes óculos de armação azul e Leah puxava a gola de sua fantasia, parecendo reclamar com uma careta desconfortável.
Na época, ambos dividiam o mesmo corte de cabelo, as mechas onduladas com sua cor natural de areia, um loiro claro herdado do pai. Leah era poucos centímetros mais alta que Gio, e não precisava dos óculos de lente grossa que o irmão usava.
Gio umedeceu os lábios de modo distraído, analisando cada detalhe da imagem antes de passar para a próxima.
"Fim de festa" mostrava a diferença discrepante entre a inquietação da primeira foto e a exaustão aparente conforme Leah, Gio e André cochilavam empilhados no sofá da antiga casa dos gêmeos, já descalços, sem os chapéus, lenços nos pescoços e até mesmo seus shorts. Gio usava uma cueca de ursinhos coloridos, abraçado ao cãozinho de pelúcia surrado que pertencia a André.
Ele soltou ar pelas narinas, entortando o rosto em uma careta amorosa.
Mais fotos mostravam o trio e alguns outros amiguinhos de escola brincando com balões, abrindo presentes e desenhando junto de Ariadne, que tinha os cabelos presos no mesmo rabo de cavalo cacheado que sempre usara. Vestia jeans e uma regata vermelho-tijolo, aparecendo junto dos filhos em muitas das fotos, provavelmente tiradas pela mãe de André.
Folheou até uma das últimas páginas do álbum, pousando os olhos de brilho nostálgico e dolorido na imagem de seu pai, que segurava um gêmeo em cada braço. Seu rosto estava escondido por trás de caneta preta, a postura ereta e semblante nunca relaxado. Gio deitava sua cabeça no ombro do homem, chupando o próprio dedo distraidamente enquanto Leah abraçava um balão lilás, expressão emburrada. Junto ao fim do pesado álbum, uma folha de papel sulfite já amarelado escorregou pelo colo de Gio, chamando sua atenção.

Beijos na esquina da Rua CintilanteOnde histórias criam vida. Descubra agora