Capítulo13

31 14 69
                                    

Capítulo 13

Dois dias após as cozinheiras flagrarem Gustavo e eu aos beijos, um sentimento (que eu jurava não ser capaz de ter) acendeu dentro de mim.

O ciúme.

Havíamos acabado de sair de uma vila ribeirinha. Estávamos a navegar numa noite escura e com poucas estrelas. Num descanso após o jantar, próximos as redes, o pediatra conversava com Valentina. A ginecologista ria muito com algo que ele dizia, mas não era isso que me incomodava, e sim o fato de ela tocar nele a cada instante. Ela fazia questão de encostar em seu braço, puxar a manga da sua camisa e falar com muita proximidade, numa malícia velada e que poderia passar desapercebida para muitos. Mas, quanto a mim, seus gestos estavam escancarados, causando-me sentimentos estranhos.

Droga! Isso era o mais puro e simples ciúmes! Eu não deveria me sentir assim! Não mesmo!

Frustrada por não poder demonstrar ou cobrar uma atitude de Gustavo, me afastei. Precisava tomar um banho não só por salubridade, mas para acalmar os ânimos também.

Um pouco mais serena, retornei ao deque inferior. A roda que havia se formado no centro me chamou a atenção. Seu Jorge contava histórias tenebrosas à equipe. Me aproximei com vontade de ouvir seus "causos".

A noite estava silenciosa, somente alguns sons esporádicos da floresta se misturavam com barulho dos motores do Vitória Régia. Mas, de repente, um canto estridente de um urutau soou bem próximo ao barco, fazendo com que Grayce Kelly arregalasse os olhos. Tive que me segurar para não rir da sua expressão assombrada. A enfermeira aparentava ser a mais medrosa do grupo.

— O que foi isso? É assustador. — ela falou numa voz trêmula.

— É o canto do urutau, muito comum por estas bandas. — Jairo tentou acalmar a mulher.

Mas, seu Jorge sorriu, assumindo uma postura misteriosa quando começou a falar:

— Conta uma lenda que na densa mata amazônica habitava a bela filha do cacique de certa tribo. Ela estava enamorada por um jovem guerreiro da mesma tribo. Amava e era amada profundamente. O pai, ao saber do romance, ficou enfurecido pelo ciúmes. Com isso, usou suas artes mágicas e tomou a decisão de acabar com o namoro da maneira mais trágica: matar o pretendente. Ao sentir o desaparecimento de seu amado, a jovem índia entrou na selva para procurá-lo. Enorme foi sua surpresa ao perceber o terrível fato. Em estado de choque, voltou para casa e ameaçou contar tudo à comunidade. O velho pai, furioso, a transformou em uma ave noturna para que ninguém soubesse do acontecido. Porém, a voz da menina passou à ave. Por isso, durante as noites, ela sempre chora a morte de seu amado com um canto triste e melancólico.

Coincidentemente, após o relato, a ave piou ainda mais alto. A pobre Grayce começou a se benzer repetidas vezes. Isso fez todos rirem.

— Acho que chega de histórias macabras por hoje. — Seu Jorge falou bem-humorado, já se levantando.

Aos poucos o grupo se dispersou. De rabo de olho, observei Valentina se despedir de Gustavo de um jeito meloso.

— Capitã, na escuta? Câmbio. — A voz de Miguel soou no rádio que estava preso em minha cintura.

— Na escuta. Qual é o problema? Câmbio.

— Tem uma lancha dando sinal de S.O.S logo a frente. Á estibordo. Câmbio.

— Mantenha o curso e fique em alerta, estou subindo. Câmbio. Desligo.

— Algum problema? — Gustavo colocou as mãos no bolso e se aproximou.

— Nada demais, algum barco com problemas a frente. Vá dormir. Eu resolvo. — Me levantei pronta para sair, mas ele segurou meu braço.

— Por que está ríspida? Está tudo bem contigo?

Nos Labirintos da SelvaOnde histórias criam vida. Descubra agora