Capítulo 18

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Capítulo 18

Os dias passaram e logo entraríamos no rio Juruá. Quando a internet ou o sinal do telefone "dava as caras", sempre havia uma mensagem de Gustavo. Eu também ligava para ele, chegamos a fazer uma chamada de vídeo e fui apresentada a Alexa. A menininha de cabelos castanhos e olhos cinza agiu como se me conhecesse, disse que gostava de brincar de massinha, falou o nome de seus melhores amigos da escola e me apresentou Frodo, sua calopsita. Para finalizar, me pediu uma "coroa de índio", já que seu pai tinha lhe dito que eu a visitaria em breve. Então, ainda dentro do rio Amazonas, pedi para que Miguel atracasse numa vila mais turística. Encontrei um lindo mini cocar adornado com penas vermelhas, amarelas e brancas. Também comprei um chocalho e uma pulseira colorida feita com sementes de açaí.

Aos poucos, a ideia de me mudar para São Leopoldo foi ficando cada vez mais clara. Eu tinha traçado um plano na minha mente e torcia para que desse certo.

Mas quando entramos no rio Juruá, tive que conter os meus ânimos para ficar mais atenta ao presente. Estávamos na zona de domínio de Teófilo Liberato; todo cuidado era pouco.

Foram dias tensos. Mauro, Miguel, Jandira e eu revezávamos na vigilância ininterrupta. Passamos andar armados o tempo todo. Entretanto, nada aconteceu. Provavelmente o silêncio do coronel foi proposital, nada mais que uma estratégia para abalar o meu psicológico.

Por fim, chegamos a Cruzeiro do Sul sãos e salvos.

*****

Após descarregar a ração do barco, dispensei todos para algumas semanas de folga merecida. Mauro estava quase recuperado da lesão, logo estaria novo em folha. Sua cara emburrada só melhorou depois que deixamos Nathan em casa. Antes disso, andava cabreiro, achando que seria substituído.

Antigamente esse era o tempo que eu tinha para ficar com o Zé em casa. Seriam dias suficientes para transar, pagar contas, brigar sobre minha rotina agitada no trabalho e ouvir o quanto eu era uma esposa ausente.

Já passava da hora do almoço e o pequeno porto de Cruzeiro do Sul já perdia o movimento. Curvada sobre a grade do convés, me lembrei do primeiro contato que tive com a equipe de Gustavo. Alguns pareciam tão deslocados que chegava a ser engraçado. É claro que também pensei no impacto que me causou a primeira vez que vi aqueles incríveis olhos incomuns. De início, fiquei curiosa e igualmente irritada, mas o meu Indiana Jones do sul logo se aproximou com elogios e sorrisos fáceis.

— Estamos em casa. — Jandira aprumou a bolsa no ombro e sorriu. — Vai ficar no barco, capitã?

— O capitão afunda com o navio. — Brinquei.

— Não no meu turno. Você está intimada a ficar na minha casa. Assim distrai a cabeça um pouco, vamos fazer a noite das meninas.

— Não quero incomodar. Não me importo em ficar no barco.

— Mas eu sim, ora! Isso aqui te lembra o doutor e sair vai te fazer bem! — Jandira desceu pela tábua bamba e se misturou as pessoas que transitavam pelo porto sem esperar uma nova recusa.

Aproveitei a solidão para tomar banho. Coloquei o vestido com estampa de girassóis, um brinco de pena e segui até o convés para fazer a transferência bancária pela proteção de Liberato. Dessa vez, os vinte porcento seriam por causa do transporte das rações. Toda viagem era a mesma coisa; parte do meu dinheiro suado caía na conta daquele maldito usurpador.

Depois disso, me sentei em uma das redes e comecei a mexer no celular aleatoriamente. Gustavo havia mandado mensagens e fotos dele com a Alexa.

Se eu quisesse recomeçar minha vida longe daqui para ter paz, teria que enfrentar coronel para vender o barco. O problema era que nenhum negócio podia ser feito sem o seu aval. E como ele gostava de me ter nas mãos, não facilitaria para mim.

Teófilo Liberato não era coronel de fato, acontece que sua família era tão antiga na região quanto as seringueiras da velha fábrica de borracha. Eles enriqueceram e se tornaram influentes, então o título de coronel foi adotado por um antepassado do homem que atualmente controla boa parte do rio Juruá. Ele estava na casa dos cinquenta anos, tinha estatura mediana e, apesar de não prestar, era bonito. Fazia o tipo que se cuidava desde jovem com boa alimentação, rotina de exercícios físicos e acompanhamento médico.

— Boa tarde, Indiazinha! — o timbre grave e demoníaco me fez estremecer na rede.

— Você não é bem-vindo a bordo. — Assumi minha postura mais confiante, apesar de estar sozinha e desarmada.

— Não seja rude, capitã. — Liberato encurtou o espaço entre nós, seguido por dois capangas.

— O que você quer aqui? Se for por causa da sua porcentagem, acabei de transferir.

— Vim ver como está minha protegida mais rentável e arredia após o incidente do tiroteio.

— Não preciso da sua falsa preocupação.

— Esse barco está precisando de uma reforma. — Disse, me ignorando enquanto olhava a pintura de um pilar descascado.

— Farei isso antes de vender ele. — Após falar, me deliciei com seu semblante surpreso.

— Vai comprar outro maior? — de repente ele sorriu cheio de ambição. Com um barco maior, seu lucro aumentaria.

— Não, vou embora.

— Ora! Não me diga que ainda está ressentida por causa do seu casamento e por isso vai nos deixar!

— Minha vida pessoal não é da sua conta. Além disso, cansei da sua cara. — Liberato gargalhou diante da minha ousadia.

— Não seja tola. O Vitória vai ser só mais um barco de turismo qualquer se for vendido. Ele perderá a utilidade.

— Não. É você que vai perder dinheiro. Porque antes de mim, ele não lhe rendia tão bem como agora.

— Isso também. Quem será o próximo capitão do Vitória Régia?

— Ainda não tenho alguém em vista.

— Seja quem for, acha que terá coragem para ir contra mim?

— O que quer dizer com isso?

— Não vou permitir que você cometa o erro de se desfazer do barco que herdou. Aqui você tem algo concreto, um trabalho, amigos e clientes fixos. Vai abandonar tudo para se aventurar por aí feito uma adolescente?

— Você não tem que permitir nada! Não é meu dono, nem meu pai! — falei firme e dei um passo à frente. — Sua "proteção" se restringe às embarcações que trafegam em seu domínio hidroviário, independente do dono.

— Não entre nessa briga, Ísis Luara...

— Por quê? Vai mandar seus abutres atirarem em mim? Não tenho tanto medo de você! Se me matar, vai perder do mesmo jeito. Aceite o óbvio! É melhor perder alguns reais do que ser preso por assassinato! — minha ameaça era evasiva, mas precisava de algo para me defender, mesmo que fosse falso. — Abri uma ocorrência contra você. Se algo grave acontecer a mim, será responsabilizado. Agora saia do meu barco!

— Ainda vamos nos encontrar Indiazinha.

— Não, não iremos. Esta é a última vez que recebe algo de mim além do desprezo. Eu vou vender o Vitória, quer você queira ou não! — eu estava me arriscando em enfrentar um homem como Teófilo Liberato, entretanto, eu precisava tomar as rédeas da minha vida.

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Esta história foi escrita em parceria com a autora Daiane_Gomes97

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