Capítulo 3

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Eu não poderia negar o quanto era fascinante as viagens pela floresta. Eu amava tudo que vinha dela! Principalmente o canto dos pássaros! A mistura de sons sempre tão perfeita me fazia entrar num estado de espírito contemplativo.

Naquela hora o barco estava um tanto desértico, pois todos estavam almoçando no convés. Aproveitei a calmaria para fechar os olhos. Respirei fundo. Senti paz. Mas esse meu estado enlevado foi interrompido quando um vento mais forte esvoaçou o meu cabelo. Tive que desfazer o rabo de cavalo e pentear, com os dedos, meus fios negros e extremamente lisos.

– Seu cabelo é muito bonito. – Gustavo me elogiou e senti meu coração acelerar os batimentos, pois, por míseros segundos, confundi sua voz com a de Zé Afonso. – Gosto da cor e do jeito que ele brilha. – Disse, se aproximando ainda mais.

Rapidamente comecei a refazer o rabo de cavalo, mas, no meio do processo, virou um coque.

– Como foi o almoço? – perguntei, querendo mudar o assunto.

– Estava perfeito. A equipe deu os cumprimentos as cozinheiras, mas aquela moranga... simplesmente maravilhosa. – Não sei se por carência minha, mas senti um duplo sentido em sua fala.

– Que bom. – Pigarreei. – Vamos chegar na primeira vila ribeirinha em dois dias. Aproveitem o ar amazônico. – Falei pronta para me retirar.

– Percebi que não almoçou.

– Almoçarei mais tarde.

– Não gosta de se socializar, capitã? – A pergunta do sulista me fez parar.

– Longe disso, mas como capitã, preciso ficar atenta a tudo. Me preocupo com bem-estar de todos que estão a bordo. As vezes não me sobra tempo para socialização e pular as refeições é algo bastante comum em minha rotina. Acredito que na sua profissão isso também seja bastante corriqueiro. Com licença, doutor Gustavo. – Assim que falei, saí da área aberta do barco e retornei à minha cabine.

Era só o que me faltava! Um cliente intrometido! Lindamente intrometido...

*****

Embora seja afluente do gigante Amazonas, o rio Juruá nasce no Peru e transcorre pelos estados do Acre e do Amazonas.

No total são três mil quilômetros de rio; o mais suntuoso de toda a floresta.

Por ser nativa de Cruzeiro do Sul, eu conhecia cada uma de suas curvas. Isso incluía até os atalhos (que surgem em certa época do ano com a alta dos rios). Então novos caminhos se abrem na hidrovia e, desse modo, possibilita que muitos barcos cortem caminho e encurtem a rota em horas ou dias.

Era por um desses atalhos que eu guiava o Vitória Régia naquele momento.

Miguel, meu imediato, estava ao lado do leme. Ele analisava com um binóculo a rota que seguíamos para ver se havia algum obstáculo no meio caminho.

tudo tranquilo, capitã. Pode acelerar um pouco, não teremos problemas. – Ele me tranquilizou. Assim como eu, Miguel conhecia muito bem as águas do Juruá.

– Ótimo. Nada de buraco no casco.

– Não senhora. Depois da próxima seringueira, vira pra bombordo, assim estaremos de volta no Juruá. – Falou, verificando algo no gps náutico.

– Quanto tempo reduzimos?

– Quase 5 horas. Nossa primeira parada fica há uma hora rio abaixo. É onde seu Dignatário vive com a família.

– Maravilha. É a melhor vila pra comprar os maiores peixes.

– Sim. Os filhos do seu Dignatário pescam os melhores. – Pelo tom da sua voz, senti que ele que sorria.

Nos Labirintos da SelvaOnde histórias criam vida. Descubra agora